DIÁRIO DE UMA VIAGEM – PARTE III

... Finalmente, a casa da minha genitora. Por fora, tudo okay. Por sinal, o portão da frente estava fechado, o portão que dava acesso à área de entrada da casa também estava fechado (e olha que, quando digo fechado, é fechado mesmo. Em cada portão desses, são dois cadeados tamanho 45, cada um – um em cima, outro embaixo – de modo que não se possa puxar uma das partes e entrar, mais uma corrente entrelaçada com outro cadeado a fechá-la); enfim, pela frente e por trás não tinha como ele entrar, mas por cima, sim. E foi justamente no único local, da parte de cima, que não era na laje, que ele entrou. Ou seja: se ele fosse garimpeiro em Serra Pelada, estaria rico. Ô cara para adivinhar!

Pois bem... Quando abrimos os portões e, depois, a porta da frente, passamos a ver o “estrago” que o dito cujo tinha feito: por todos os cantos da casa tinha papel espalhado pelo chão, bolsas, pastas, malas, gavetas, objetos eletrônicos, quinquilharias em geral. Querem ter uma ideia? Diante de nossos olhos, um quadro semelhante ao que se tem após os abalos sísmicos (captados pelas câmeras de vídeos, que ultimamente temos visto pela televisão) que causam total desorganização dentro dos ambientes de trabalho. Além disso, as fechaduras de todas as portas de todos os armários, estantes, guarda-roupas, balcões etc. e tal estavam rompidas e, portanto, tudo escancarado. A minha mãe, quando viu tudo aquilo, chorou.

Depois de uma vistoria rápida, feita por ela, o resultado: o “garimpeiro” das coisas alheias tinha levado uns trocados, joias e perfumes que ela tinha comprado para dar de presente às amigas. Bem, pelo menos cheiroso, ele vai andar por um bom tempo. Em compensação, as amigas da minha mãe foram privadas de uma fragrância, digamos, mais européia.

O interessante é que ele não queria levar nada que pudesse ser maior do que um vidro de perfume. Assim, ele ao sair por onde entrou, fechou o buraco que tinha feito, deixando, no interior da casa – para mais tarde “vir buscar”, um alicate, uma chave de fenda e um canivete. Acredito que ele tenha pensado melhor e, arrependido, tenha optado por voltar mais tarde, digamos, depois da meia-noite, para poder, sem pressa, limpar a bagunça que fez durante o dia. Ô sujeito bom!

Porém, eu precisava voltar e chegar ao meu destino inicial: João Pessoa. Por isso, depois de “ajudar” a pôr em ordem as coisas que estavam espalhadas pelo chão, colocá-las dentro de um dos guarda-roupas – fiquei com dó do bom samaritano só de pensar que ele teria tanto trabalho para limpar tudo aquilo – eu fui buscar um amigo para ficar na casa durante a ausência da minha mãe (sabe como é: era tanta bagunça que eu deixei uma pessoa lá, esperando por ele, para que, quando ele chegasse – feito Papai Noel –, coitado, tivesse uma alma para dividir com ele o trabalho da faxina) e pudesse recepcioná-lo à altura do seu merecimento de amigo do alheio.

Resolvida essa parte, “voltamos em cima do rastro”, como se diz. De novo, posto de combustível. Enquanto o carro era abastecido, o gerente do posto não se conteve e se dirigiu a mim, dizendo:

- Boa noite. Desculpe perguntar: mas os senhores não passaram por aqui hoje, por volta das nove horas da manhã? (Antes de responder, eu observei que ele olhava, principalmente, as roupas de todos nós).

- Sim, respondi eu.

- Ainda bem. Pensei que estava ficando maluco, completou ele.

Resolvi não falar nada. Deixei que ele ficasse teorizando o que poderia ter acontecido. Por dentro, fiquei rindo da cara que ele fazia, primeiro, para entender o que estava se passando; segundo, o seu olhar era o mesmo que “me diga, por favor”. Não disse. Não foi por maldade. Apenas não estava a fim de contar uma história. Ao invés disso, olhei o relógio: eram dezenove horas em ponto.

Saímos dali, debaixo de uma chuva, e cada um, dentro daquele automóvel, rezava para que nada acontecesse. Que ironia do destino! Nós tínhamos saído cedo para podermos chegar antes que anoitecesse. Agora, depois de rodar 560 quilômetros, nós ainda estávamos no mesmo lugar de onde eu havia zerado o velocímetro do veículo. E já era noite fechada.

No percurso, a chuva aumentava. Os limpadores não davam conta. A velocidade não ultrapassava os 70km/hora. A oração, graças a Deus, “comia solta” dentro do carro. Na metade do caminho, entre Mossoró e Natal, uma parada para comermos. Foi no mesmo lugar onde eu deixo os meus livros. A proprietária, ao nos ver (de novo), veio ao nosso encontro.

- Boa noite. Já de volta? (Eu, para relaxar a tensão, resolvi brincar um pouco com ela):

- Boa noite. Não, agora que nós estamos indo.

- Como?!?! (A cara que ela fez não deu para aguentar. Caí na risada).

A minha mãe, no entanto, resolveu contar o que tinha acontecido. Depois de explicar porque ainda “estávamos ali”, resolvemos comer alguma coisa.

De volta para a estrada, o restante da viagem foi sem maiores sustos ou atropelos. Nesse momento, o trânsito estava fluindo bem, a chuva havia passado e os apressadinhos já tinham chegado aos seus destinos. Que ironia! Eu, que andava respeitando o código, ainda estava dirigindo para chegar ao meu destino.

Assim, depois de 15 horas dirigindo, cheguei, finalmente, a João Pessoa. Eram exatamente 23h40min quando eu parei o carro em frente ao prédio onde moram os meus filhos. Neste momento, todas as partes do corpo tremiam ou estavam ligeiramente entorpecidas ou, ainda, com câimbras. Por isso, assim que desci, agradeci ao Homem lá de cima. Com certeza, a sua mão nos guiou. Olhei no painel: havia rodado, só naquele dia, 984 km e 400 metros.

Continua...




Obs.Imagem da internet (vista de João Pessoa à noite)

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 15/05/2011
Reeditado em 18/04/2019
Código do texto: T2971369
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