ô vós todos que passam pelos caminhos das Minas, vê se existe história mais bela do a da minha velha Itabira?
Em uma noite de outubro de 1919, um grupo de amigos residentes da Rua de Baixo (Rua dos Operários), reuniu-se para formar um conjunto musical com o objetivo de animar os bailes do Clube dos Operários.
Na reunião, compareceram os seguintes músicos: Jose Bonifácio dos Reis, Elvino Tito dos Reis, Antonio Saturnino dos Reis, João Damasceno dos Reis,
Jose Eduardo Moreira (Totoque), Antonio Coimbra (Totone), Manoel Gonçalves de Oliveira (Mestre Piche), Geraldo Gonçalves de Oliveira e Sebastião Gonçalves de Oliveira.
Em momento alguns aqueles irmãos e primos imaginavam que o tal conjunto transformaria na tradicional Corporação Musical Santa Cecília.
O poeta Carlos Drummond de Andrade imortalizou a Banda Santa Cecília nos versos do poema “Música Protegida”.
Santa Cecília, anterior aos sindicatos
Protege os músicos da mina.
Ninguém seja cantor ou instrumentista.
Quer no sagrado ou no profano.
Sem prender aos doces laços
de sua melódica irmandade.
Quem infligir à santa regra,
ofensa faz ao povo e ao céu,
A boca lhe emudece e o instrumento
cai sem som na laje fria.
Mas aos pios irmãos, Santa Cecília,
a cada dia e a hora
conceda a voz mais pura
e o mais divino som ao clarinete.
Percebe-se nos versos a oração feita pelo poeta, clamando proteção aos músicos da mina.
A banda era carinhosamente chamada de Musa da Rua de Baixo. A música corria no sangue daquela gente.
Meu Deus! Que povo festeiro!
Carnaval, casamentos, bailes, procissões, aniversários, a presença da furiosa era indispensável. Na casa dos nossos parentes, as tardes eram regadas de boa música. Aos domingos, a banda subia a Rua de Baixo para animar as festas no Centro ou fazer retreta no adro da Igreja da Saúde. As janelas ficavam repletas de parentes aguardando a tradicional parada. Após alguns dobrados, todos faziam questão de acompanhar a banda até o Centro.
Nos enterros dos familiares a banda comparecia para prestar a última homenagem tocando marchas fúnebres até a última morada.
Meu Deus! Quanta recordação!
As marchas ficavam gravadas por muitos dias em minha memória. Era de arrepiar!
Nas procissões da semana santa, o coral formado pela minha mãe, tias esposas e primas, acompanhavam os passos da via dolorosa cantando hinos em latim nos intervalos de uma marcha para outra. Como as ruas eram calçadas de ferro e pouco iluminada, a cena tornava-se ainda mais comovente. As marchas fúnebres ecoavam de maneira diferente. O som batia nas pedras e levado pelo vento frio da noite, entravam pelas Ruas e Becos e penetravam nas frestas das janelas dos casarões. Era um momento de pura consternação e beleza.
E eu menino, figurante daquele teatro, estava ali, naquele momento histórico, carregando orgulhosamente a pasta da banda. Objeto precioso disputado como um troféu pelos meus irmãos e os demais primos. Outros meninos carregavam instrumentos, outros com partituras fixadas nas costas.
Hoje resta uma saudade daquele momento significativo de nossas vidas. Tempo não muito distante, em que Itabira era uma cidade de verdade. Tempo em que as famílias preservavam o passado e valores de nossa historia.
Às vezes pergunto, porque nos dias atuais há uma omissão coletiva em transmitir para as novas gerações essa história bonita de mais de 300 anos? Entendo que o mundo mudou. Mas um povo que não preserva a sua memória, sua cultura e sua história estão prestes a não mais existir.
Entendo como é importante a contribuição do nosso Poeta no contexto da nossa história. Mas Itabira não resume só em Drummond. Itabira é religiosidade, é manifestação cultural, é tradição. Itabira é berço de dezenas de músicos, escritores, poetas, compositores, artesões, pintores, cantores, maestros, educadores e políticos ilustres. A maioria é descendente da gente simples da mina. Gente que não nasceu em berço de ouro. Gente de pés raspados ou rachados como os moradores da Rua de Baixo, do Canto, do Bongue, do Meio, da Direita, da Água Santa, de Santana, da Praia, do Campestre, do Berra Lobo, do Explosivo e do Capim Cheiroso. Gente de uma Rua qualquer de nossa cidade. É essa gente simples da mina que continua escrevendo está bela história.