ROLETA RUSSA
Depois que ele começou a falar, o delegado não deu um pio...
- ô seu delegado, era só por causa da adrenalina e nada mais.
Eu tinha amigos que Gostavam de surfar; outros, fazer rapel, escalar, descer em cachoeiras, nadar em correntezas... Mas eu, particularmente, gostava de brincar de roleta russa com as vadias que levava ao meu quartinho, nos fundos do restaurante onde eu trabalhava, depois da sinuca e do expediente, usando sempre um 38 niquelado com tambor de 6 tiros e uma bala apenas girando de janela em janela... o bicho era novinho em folhas. Não batia catolé nem que desse a molesta! Elas adoravam. Mas tive que vendê-lo por motivos de falta de grana.
Quando a gente brincava, eu via no semblante delas um riso misturado com medo, uma tensão misturada com prazer. Aquilo era divertido. Ninguém nunca se machucou. Era a minha adrenalina; a minha diversão! Cada um se diverte da forma como bem quer, e aquela era a minha forma de se divertir.
- Me deixa em paz, véio! Aquilo era divertido, mas era apenas coisa de adolescente problemático sem nada na cabeça e com ímpeto de aventura.
Quando a brincadeira acabava, eu jogava o trabuco em baixo da cama, fazia sexo com as vagabundas, tomava alguns tragos... depois, ao amanhecer o dia, eu dava o vale transporte da condenada e ela seguia sua viagem em paz, enquanto eu corria pro fogão para preparar sempre a mesma coisa: macarrão instantâneo com salsichas.
O que caralho é uma bala na cabeça pra quem vive o caralho de uma vida miserável?
Enquanto os políticos farreiam gastando nosso dinheiro, somos obrigados a trabalhar o dia todo pra ganhar uma merreca no fim do mês que não dá pra comprar sequer uma cama decente pro descanso da noite. O inferno do miserável não é o dia a dia de trabalho, e sim a noite de sono mal dormida. É triste a vida de quem trabalha por um salário mínimo: ou come ou paga o aluguel? Imagine, então, como não deve ser a vida de um desempregado...
- Pois é, seu Delega, todas aquelas vadias que jogavam comigo, na verdade mesmo, acho que elas queriam era se matar... Só tinham medo que isso não acontecesse pelo acaso, forçando o medo de ter medo de morrer!
Quem nunca viveu uma aventura, ou sentiu vontade de jogar tudo pro ar sem tá nem aí pra seu ninguém, pode começar a apedrejar.
- Mas hoje estou mudado, cumpade, a minha loucura foi embora e estou morando numa casa na árvore... Coisa que eu era pra ter brincado quando adolescente... Mas os papeis se inverteram. Hoje, sou um bobão aposentado por invalidez aos 36 anos e estou podendo fazer tudo que não pude num passado difícil do qual não tenho a mínima saudade!
Diante da vida que levamos a sério, brincar de roleta russa é uma diversão saudável!
- Agora, se quiser me prender, senhor delegado, me prenda porque estou te mandando, nesse exato momento, o senhor 'TOMAR NO CU', não porque eu pus em risco, na minha adolescência, uns vinte anos atrás, a vida de um monte de gente que já tinham suas vidas NA MERDA!
A arte de ser feliz não é saber pular amarelinha, e sim, saber se equilibrar na corda bamba!
Calado o delegado continuou. Lhe retirou as algemas, deu-lhe as costas e saiu sem se despedir nem olhar pra trás.