O trissexual

Quando Godofredo fez dezoito anos, desde os doze já havia colocado na cadeia um bando de mulheres mais velhas do que ele com duas armas poderosas. Precoce. Possuía aos dezoito anos a fisionomia do homem de quarenta e nove. Nascido e criado no esplêndido seio libertino da liberdade pura dos privilegiados (para uns parecerá redundante, para outros poético e para terceiros um crime mais do que sintático) nutria a maior alegria pelos efeitos da carne. Filho da geração colorida pelo sexo, drogas e rock pesadão era psicodélico, mutante, cabareteiro e libertário. Aos poucos foi corrigindo a sua liberdade com um novo discurso de libertação.

Tornou-se meditabundo como Santo Agostinho no segundo tempo. Metia-se no quarto com suas três mulheres para praticar yoga e refletir entre guimbas o destino de suas vidas íntimas. Foi nesse dia iluminado que ele se despiu do karma e inventou o trissexualismo. A nova luta pela liberdade dos instintos. Para Godofredo a lua era trissexual entre o sol e a terra não importando o lado exato. Ùtil mesmo era seguir as tendências da liberdade. Parecia esquisito viver numa sociedade erotizada o tempo todo e ter que usar óculos escuros, peruca e roupas exóticas para locar um insano filme pornô. O trissexual seria então o homem livre, sem fingimentos, pronto para dormir com Reich (sexólogo e não o nazista) em termos de liberdade.

Estava cansado de fingir. Aliás, comprovava que o fingimento reprimido levava o povo ao exibicionismo completo. Concluía: na rede mundial de computadores tem mais gente despida do que em toda a face da terra. É a tendência ao retorno primitivo, mas sem as guerras intestinas. Sexo é idéia fixa natural de um procurando no outro o direito de reprimir o seu limite. Origem da moral e dos bons costumes. Para ele o sexo bem feito fazia parte dos bons costumes. Institucional no duro. Precisava desfiar uma antitese para aceitação completa da tese de que tudo o que não se classifica como normal vira abjeção. Sexo é sexo e pronto.

Godofredo lembrava que em geral as pessoas desconhecem a sua própria trissexualidade. Nascem trissexuais. Vivem trissexuais e morrem sem nenhuma sexualidade. Ponto final. O capítulo do trissexualismo representava para Godofredo a vitória sobre o preconceito das classificações. Era abrir uma brecha para a loucura consentida ou fenecer na ruptura sem liberdade dos instintos. Reconheceu com o passar dos anos que as crianças só tem a ver com isso quando nascem. Finalmente fez uma aliança de consciência com as algemas. Se não tivesse morrido de tuberculose a menina do Edgar Alan Poe ela nos dias de hoje lhe forçaria a escrever para as aranhas na cadeia. Mas isso havia sido nos velhos tempos em que os varões recebiam as esposas ainda nas fraldas para o casamento em várias partes do globo.

Para se redimir desse passado travesso de filho da casa grande, levava comida as mulheres que seduziu na cadeia. Algumas domésticas do casarão, outras balzaquianas irresistíveis. Queria reconciliar a lei da atualidade com suas maldades. Sem dar mérito completo aos moralistas que são trissexuais, mas evitam falar do assunto. Toda a sexualidade é trissexual. Ficava maluco quando alguém se referia a ele como criador da “teoria da transexualidade”, mesmo compreendendo que “se um homem quer se vestir de mulher o carnaval é todo dele” a vida inteira. O heterossexual é trissexual. O bissexual é trissexual e tudo se confunde na sexualidade como um suave gemido da liberdade.

O pobre Godofredo acabou mal interpretado e reconhecido como monstro da libidinagem. Sabia que todos os problemas psiquicos da atualidade estavam sendo tratados com absurda superficialidade dentro da rigidez oriunda das extremas exceções. O noticiário enfeixava tudo impiedosamente, demolindo qualquer vestígio para com a fraqueza humana da beleza. A notícia quer vender mais o estandarte do horror. Reconhecia o banimento dos horrendos abusos de Tibério, porém a realidade decaía a liberdade plena para dentro da mais severa inclinação a ditadura dos costumes. Novamente os casos de medicina viravam casos de polícia como as drogas de quintal. Coisa que ninguém ousava desmentir, apenas o ideólogo.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 14/05/2011
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