Um Sorriso a Miséria
Não houve explicação e muito menos descaso sobre o ocorrido. Os jornais diziam em letras miúdas que fora assassinato, e os jovens delinqüentes afirmavam que era reciclagem de cidadãos.
A noite estava quente e as estrelas apareciam secretamente entre os postes já acesos: “Estava quente feito à caatinga” recordou Donzela debruçada sobre o banco, esperando a vinda do sono. Bons sonhos estavam longe de chegar e o relevo dos bancos a incomodavam e faziam doer seus ossos frágeis, afinal não era jovem e a velhice predominava em seu ser.
Contemplava com olhos de toupeira toda a rica vegetação presente em seu local de leito: A praça Central. Pôde em meio aos devaneios lembrar da juventude abandonada no sertão de mores árduos. O nariz achatado farejou a comida do passado, “mas como era gostosa a remessa de farinha e água”, concordou ser mestre na culinária e todos os oito filhos, que jazem há muito tempo, levados ao lado do Altíssimo, provavam comendo verozmente e repetindo quando possível.
Feliz com as lembranças intima dos atrevimentos de seu “homi” Tobias, contorcia-se de saudades e fome. Suplicou pela morte, e por mais próxima que estivesse, teimava em visitá-la até então, talvez por falta de endereço.
Uma das estrelas brilhou mais forte e soube ao escutar risos que seu desejo seria realizado. Um empurrão a jogou do banco para o chão e a luz escondeu os rostos dos anjos agressores, conseguiu ao meio de dor ajoelhar-se em reverencia a eles e recebeu um novo pontapé na boca. Não se continha com a concessão; os lábios enrugados e as gengivas repletas de cacos simularam um sorriso geriátrico e usou o sangue enferrujado como oferenda aos seus Salvadores.
Foi somente o golpe vindo do pé forrado de burguesia calçada que fez disfacelar seus suspiros e por fim sem nenhum clarão, santo, anjo ou próprio Deus, tudo simplesmente se apagou.
Foi no canto mais iluminado da praça exposta a curiosos, ficou estirado o corpo murcho e sereno daquela senhora que jamais reclamava, apenas agradecia.