VERDE ESPERANÇA - CRÔNICAS HISTÓRICAS

VERDE ESPERANÇA

O raio brilhou forte na noite escura e densa da mata. Seguido de um trovão estrondoso, fora do comum, fez os corações de homens corajosos palpitarem. É sempre assim quando chove forte. Nesta escuridão onde nada se vê sem lua e sem estrelas e ouve-se ao longe o barulho do rio caudaloso, que já ameaça o acampamento e a plantação que nos fornece o alimento diário, os olhos arregalam-se à espera de um momento de calma. Estes trovões e raios assustam-me mais do que não saber exatamente onde estamos e nem quanto tempo ainda vamos permanecer aqui. Este céu escuro ainda me amedronta. Lá se vão já quatro anos que parti com tantos homens e indígenas aos quais sou responsável. Rios, índios pouco amigáveis conosco, serras que custamos a transpor... Meu Deus, e agora eu aqui, com esta febre violenta que já levou tantos de nós. Penso que desta vez eu também não volto para São Paulo. Não me entrego nunca, e luto enquanto força tenho e enquanto forças tiver. Ainda há tanto o que fazer e ainda tenho muitos sonhos nestes lado do Brasil. Quero perpetuar meu nome, quero ser falado, reconhecido ainda mais agraciado pela Coroa. Sei que já tenho elogios de sobra, mas sou homem vaidoso e não me embrenho nas matas por puro prazer. Pelo menos meu nome fica na lembrança das pessoas. Portugal tem muito o que me agradecer e meus filhos herdarão a fortuna do meu esforço. A esperança é verde como as esmeraldas que encontramos. Valeu a pena. Valeu cada sacrifício, cada medo, cada noite de chuva forte e tempestade como essa que agora me rouba o sono.

Naquele 21 de julho de 1674 eu já sentia que era um dos dias mais importantes e valiosos da minha vida. A missa rezada, o pedido de proteção dos anjos e as lágrimas das mulheres que tem medo da viuvez e aprenderam a ser rudes e fortes para continuar tocando suas vidas sem seus homens que partem para o desconhecido e os sertões não desbravados em busca de riqueza, e que muitas vezes encontram apenas perigos e não raro, a morte. Hoje olho para trás e lembro-me de tudo o que fiz e do meu título tão cobiçado de “governador de esmeraldas”. Eu as encontrei. Pena que não encontrei nem ouro nem prata, mas no fundo de minha alma sei que elas existem. Bate em meu coração um peito de homem desbravador que tem certeza de que em breve essas minas brilharão e reluzirão em riquezas infindáveis. Esses rios que nos deixa ver ouro em pequenas quantidades há de ter muito mais.

Hoje nesta noite chuvosa há muito do que me arrepender. Diacho! Eu não poderia me arrepender de ter conquistado a glória. Tive que ser duro e forte, senão nada disso teria acontecido. Olhando para trás, quantas vilas fundadas, pessoas que por aí ficaram cuidando de suas vidas. Mas ainda me dói a morte do meu filho natural que fui obrigado a decretar para não perder minha autoridade. Eu ficaria sozinho com essa bandeira e muitos se perderiam. Lembro-me dos mais de cinco mil índios que sofreram e ainda sofrem cativos por minha mão. Não sei porque penso nisso agora. Eles não são gente mesmo! E ainda se recusam de fato a acreditarem em Nosso Senhor Jesus Cristo e na Virgem Maria que me protege nas andanças. Mas não sei se Nosso Senhor vai me perdoar. Quem sabe se não poderia ter feito diferente. Padre João Lopes já me ouviu a confissão, mas não tenho minha alma limpa. Vou para meu Criador com sangue nas mãos, e sangue de meu filho. Mas não tenho conselho a deixar. Há mesmo que escravizar esses bugres para que trabalhem e tornem-se cristãos e servos de Sua Majestade. Sem os índios escravos a colônia não pode dar lucro algum. Eles não podem continuar com seus deuses e rituais que ofendem ao nosso Deus. Alguns já são amigáveis e convivem conosco, como os tantos que estão conosco nesta bandeira. Foram domesticados e aprenderam língua de gente, comida de gente e costume de gente.

A chuva cai torrencialmente e o rio Guaicuí se aproxima cada vez mais e ameaça nossa lavoura. Esse bravo bandeirante descansa de sua febre. Hoje ainda desbravei uma parte desse sertão. As pedras verdes refizeram esse homem sexagenário vibrar como um menino que ganha um brinquedo. É o coroamento de uma luta e de uma busca por esses sertões. Cativos indígenas foram milhares, pessoas sob meu comando igualmente em número incontável. Eu Fernão Dias Paes Leme encontro-me agora debaixo desse céu bravio, com o corpo quente, mas não entregue à morte. Resisto bravamente como resisti a tantos ataques, ferimentos e saudades. De coração partido foi que parti. Num misto de expectativa e pesar estou aqui, distante daquela que amo, mas elogiado pelas cartas régias enviadas de Portugal para esse homem velho, coração selvagem e destemido. Sinto dores fortes, sinto meu corpo assar por dentro e meus lábios arrebentam-se em feridas. Estou aqui só, eu que rodeado sempre de tantos homens que a mim procuravam por segurança, por aventura, glória e principalmente riquezas. Rezo a Deus rogando perdão dos meus pecados e que acolha minha alma quando eu partir. Mas amanhã quero estar vivo e ver ainda o sol nascer e brilhar enquanto visto minha roupa pesada e minhas botas de cano longo, com as quais eu já pisei muito desse chão. Quem sabe se o ouro não está nesse rio aqui do lado.

Outro forte raio clareou nossa casa, seguido de um estrondo que fez a terra tremer. Viro-me pro lado e peço que esta febre se vá embora. Fecho os olhos e rezo. Ave Maria, cheia de graça...

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 11/05/2011
Código do texto: T2963145
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