HOJE É DOMINGO, PEDE CACHIMBO... PEDE!

"A liberdade é mais importante do que o pão(...)

As grandes convivências estão a um milímetro do tédio(...)"

NELSON RODRIGUES

Tinha tudo pra ser um domingo diferente...

Eu queria mudar a aurora desse dia tenebroso e sombrio que é o domingo. Decidi arredar o pé de casa. Dessa vez para dizer que não tinha um “trocado” aos mendigos, resolvi sair com um punhado de moedas de 25 e 50 centavos.

Ando sempre portando um livro de bolso. Me arrumei, joguei a fragrância repugnante no cangote e fui à parada de ônibus esperar aquela maldita lata velha me levar ao cinema. Mal chego à parada e o primeiro mendigo já me pede... dou-lhe uma moeda. Dentro do ônibus mais dois mendigos infantis me entregam uns papeis miudinhos com um texto pedindo uma ajuda, pois suas mães: a de um era asmática e a do outro tinha câncer... só pretexto. O texto era bem redigido e não tinha um erro de português sequer. Embora fossem eles cheirar cola com minhas moedas, dei-lhes duas a cada um.

Até que em fim consigo sentar em paz e escutar do meu barato livro de bolso o Vinicius me dizer em sua partida: “(...) Que mãe já não terei mais/ e a mulher que outrora tinha/ mais que ser minha mulher/ é mãe de uma filha minha (...) CHEGAR-ME-ÃO FALAS TRITES(...)”

Mal desço da lata velha e me vem mais um mendigo. Ou melhor, dessa vez era uma mendiga. Estava mal trapilha, mas era uma bonita mulher: tinhas seios firmes e olhos verdes. Dei ao infeliz duas moedas de 50 centavos. Ora, já paguei bem mais caro a prostitutas que não valiam nada. Até ruim de cama eram. Essa mendiga não se prostuíra. Queria apenas levar dinheiro para seu marido bêbado.

Adentro ao shopping e o maior mendigo de todos nem me pede, me rouba: tiro meu saldo e o banco me comera uns três reais sobre taxas que não sei nem pra que servem. Nunca fui retribuído. Assisto ao filme. Um bom filme. Mas sem pipoca ficou meio estranho. Também um saquinho de pipocas custa oito reais. Com oito reais compro doze pacotes de milho alho e faço pipoca que dá pra fornecer um parque de diversões no dia das crianças.

Pode crer: vou investir em pipocas. Oxente!, mil por cento de lucro. Mas não sei fazer filme. Tudo bem, peço uma ajudinha a Almodóvar ou Scorsese...

Saio e vou direto à loja de música: escuto Jimi Hendrix, Fred Mercury, Bob Marley... passo por Cazuza, Renato Russo e Cássia Eller. Saio de alma lavada. Com os tostões da lata velha para me levar de volta em casa e mais uma moeda para apenas mais um mendigo.

Assim que chego à parada do Shopping Center, passa por mim um moleque de mais ou menos nove, dez anos vendendo cigarros – ele deveria estar num parque ou circo, não ser a montanha russa ou o palhaço -, até que depois de pedir a várias pessoas uma moeda, me vem um “ultimo” mendigo e pede-me uma ultima moeda. Nego-lhe, grito pelo garoto, e com os centavos do mendigo, compro um ultimo cigarro em retalho. Acendo-o. Quando puxo a fumaça, meus pulmões apodrecem, minha calma pensa em chegar: vejo o mendigo correr e atravessar a rua movimentada. É atropelado e cai estatelado ao chão. Apago meu cigarro pela metade. O mendigo morre, os carros continuam voando, o cigarro morre sendo jogado ao chão pela metade e sendo pisado pelo solado sujo de meu sapato velho.

Tinha tudo pra ser um domingo diferente... E foi!