E a cheia levou...
Recebi uma cartinha de morador da Rua das Flores, em Itabaiana, reclamando da cheia do riacho que levou quase todas as suas tralhas. O que não levou, estragou.
A cheia apagou o retrato de Antõecarlo sorrindo com aquela cara redonda de menino bem fornido e mal encaminhado, e a foto da mãe Dida, novinha e bonitinha que parece a Rainha da Inglaterra nas suas núpcias com o Príncipe Philip Scotsman , em novembro de 1947.
A cheia levou o penico de vó Zezé mijar, ficando a velha impossibilitada de depositar seu desagrado com as coisas e suas impressões sobre as pessoas, com grande perigo de perder a vida ao expelir excrementos diretamente no tal riacho, em uma ponte sem proteção.
A cheia levou o disco com a música favorita dos filhos de dona Dida que saíam arrastando os pés pelas ruas ao som de uma lambada chinfrim, trilha sonora mais do que idiotizante de outroras passeatas tolas e sem sentido.
A cheia levou os enfeites dos caboclinhos do mestre Josa, que ficaram muitos anos dentro de caixas em cima do guarda-roupa, esperando que afinal fosse liberada a verba para o carnaval tradição, coisa que jamais aconteceu, pois nunca mais se viu carnaval nessa terra, tirando as palhaçadas e cenas ridículas de vereadores adesistas e oportunistas.
A cheia estragou o bombo de Zé Ispiciá , Zé Quarenta e Um e Pabulagem tocarem sua ciranda e seu coco-de-roda, que a gente gostava de ouvir, e destruiu os bonecos de Chico do Doce com os vestidinhos das pastoras de Arlinda Verdureira. Nunca mais teremos São João como aqueles.
A cheia lavou e apagou impiedosamente todas as fotos dos antigos times União e Vila Nova, para o desespero de Brão, Edílson Andrade e tantos outros desportistas do passado, ficando a cidade sem futebol. Destruiu o amor próprio do compatrício e sumiu de vez com a sanfona que foi de Sivuca.
Salvou-se o título de eleitor, e Deus sabe como, a esperança de que nova cheia não varra nossas vidas para bem longe e nos jogue em um lugar sem futuro que um dia foi Rainha.