Desejadores
Eu vejo três coisas. O desejo, a matéria e o aquilo-que-não-depende-do-desejo. Partindo do pressuposto de que o desejo está para os outros dois em níveis diferentes de submissão – o que não é uma afirmativa, nem uma tese – então talvez se possa chegar a algumas aproximações interessantes. O desejo subjuga, com facilidade, a matéria. Podemos construir casas a partir do barro e até transformar substâncias químicas em computadores. O aquilo-que-não-depende-do-desejo subjuga o desejo. Mesmo quando ele parece atender o desejo, como é o caso da sorte, não há que se ver aí nenhuma submissão. A sorte é simplesmente o acaso, não havendo qualquer relação entre o desejo e aquilo-que-não-depende-do-desejo, apenas uma mera coincidência. O desejo por seu turno jamais subjuga seu igual, e se alguém atende legitimamente aos desejos de outro, é porque, enfim, fazer tal coisa é seu próprio desejo. Se não o é, então se terá escravidão, ou outro tipo qualquer de violência. A submissão do desejo a outro desejo é em si muito mais dificil que aquela submissão da matéria. Porque esta não reaje, não resiste diretamente. Manter, por outro lado, um desejo atrelado a outro é bem mais improvável. Em qualquer dos casos, contudo, a submissão é bastante precária. No primeiro porque a matéria está sempre em inexorável decomposição. Tudo degenera ou se transforma e nenhuma matéria é absolutamente estável. No segundo, por motivos óbvios. Enfim, toda submissão contém em si o germe de sua destruição. Então, desejamos porquê? Se, inexoravelmente, quando há submissão tudo degenera, ou todos se revoltam, não seria mais prudente desejar pouco, ou pelo menos com a consciência de que ao desejar nos afundamos um pouco mais nas ilusões, aprisionando-se?