LA BARCA

Escrevi ao meu irmão o seguinte:

Oi, Chico...

Realmente, a música La Barca é um negócio. Obrigado por tê-la enviado e despertado em mim o que abaixo relato.

Ouvi-la novamente me deu a oportunidade de regressar a um tempo que não volta mais. Naquelas domingueiras do clube da vila, quando a gente podia desfrutar dos primeiros momentos de descoberta do namoro, do romance. A coisa era certamente muito mais difícil do que é nos dias de hoje. Demorávamos bastante a nos acercar da menina que, dentro em pouco, iríamos abraçar. Adolescentes, teríamos o primeiro roçar de corpos, a primeira chance de sermos, por pouco que fosse, íntimos. Uma recusa ao convite para dançar talvez nos estragasse o resto da tarde e nos anularia pelo resto da reunião dançante. O convite, é claro, somente acontecia quando tínhamos certeza de não haveria uma recusa. Mas que poderia acontecer.

Depois de muitos olhares, timidamente trocados, íamos até a mesa da garota e empostávamos a voz para convidar: "Quer dançar comigo"? Olha que deferência tão especial para com uma mulher ainda menina: dávamos-lhe o poder da decisão, da escolha. Puxávamos a cadeira para que fosse para a pista e a seguíamos por entre as outras pessoas, arriscando uma melhor avaliação do seu corpo, da sua maneira de caminhar, pois apenas a tínhamos visto sentada.

Chegados à pista, o primeiro contato, por mais automático que fosse o gesto de levantarmos a mão esquerda, era de uma feroz ansiedade. Mas passava esse momento. Até nos adaptarmos ao jeito dela dançar, rubores faciais aconteciam. Parecia que não iria dar certo, mas tínhamos toda uma música para tentar. Se desse certo, um grande passo já seria dado.

E a gente ali, imaginando: trago-a mais para perto de mim? Aperto um pouco mais sua mão? Encosto o meu rosto no dela? Será que sente o meu suor frio? Percebe meu nervosismo? Como será que ela está se sentindo? Devo cantarolar ao seu ouvido para que saiba que conheço a música? Essa última parte tinha que ser muito bem pensada, pois não sabíamos na totalidade o que significavam aquelas palavras em espanhol. Grandes amores começaram assim. E pode estar certo de que, nos dias de hoje, ainda tentamos fazer com que aqueles momentos se repitam. Ainda dançamos abraçados com elas. Fechamos os olhos e as imaginamos ainda meninas. Como meninos éramos.

Tenho saudades disso, dessa inocência perdida. A barca da minha menina não partiu, está ancorada no meu porto. Não houve a distância e nem o esquecimento e ela me deu a verdade sonhada. Ela regressa sempre, sem nunca ter partido. Somos cativos dos caprichos dos corações um do outro. Por essas e por outras, minha praia nunca se vestiu de amargura e nossas barcas singraram os mares da nossa vida juntos.

É disso que fala La Barca. Ah!, se eu soubesse disto lá pelos meus 14, 15 anos.

Beto

PETROCCHI
Enviado por PETROCCHI em 10/05/2011
Código do texto: T2960543