Há quatro anos cheguei ao fim de minha vida profissional. Necessário se fazia ter um local para descanso. O destino, uma beira de mar. A procura foi enorme. Não me queriam com meus cachorros e sem eles, nada feito. Kiki e Alminha faziam parte da familia. Todos os dias, um novo recomeço, uma nova procura. O imóvel não poderia ter granito nem mármores que só me lembram mausoléus. Tinha que ser grande, já que me sinto sufocada em pequenos ambientes. Tinha que ser juntinho ao mar para que eu sentisse de casa o cheiro de maresia que tanto gosto. Tinha que ter uma varanda onde eu estendesse minha inseparável rede. E ainda tinha que estar dentro de minhas posses que não são muitas. A confusão estava armada. Eu queria o impossível.
Bem, só posso dizer que o impossível acontece. Encontrei um antigo prédio, simples, nada de luxo, só que que correspondia a tudo que eu queria e de quebra aceitaram Kiki e Alminha. Tudo resolvido.
Esse paraiso é na praia do Bessa onde ganhei como vizinhas as tartaruguinhas. É aqui que elas vêm todos os anos em busca de proteção, em busca de realizar o maior mistério: a continuação da vida. Existirá algo mais sublime... Como explicar essa escolha por essa praia, como explicar essa viagem de centenas de quilômetros mar adentro para aportarem aqui... como explicar o que, ou quem as guiou. Seria um pedido de proteção, uma certeza de proteção, afinal estavam deixando aqui com certeza que seriam protegidos, seus ovos
Presenciei por várias vezes o seu chegar. Elas vêm cansadas, exaustas e sobem a praia lentamente, com grande dificuldade, escolhem o local e com as nadadeiras vão cavando o ninho. Terminado o exaustivo trabalho, elas os cobrem e voltam ao mar para retornarem no próximo ano, confiantes que perpetuarão a sua espécie. Na praia, um grupo de anjos verdes chega, cataloga tudo, faz um cercadinho para proteção e esperam o dia da eclosão dos ovos. Mantêm uma vigilância quase constante para evitar os predadores.
Falar do nascimento é surreal... No dia exato lá estão as parteiras de tartarugas a desencavarem os ninhos com a suavidade de uma pluma. Uma ajudinha aqui, outra acolá e aos poucos, lá estão dezenas correndo em direção ao mar onde lutam ao sabor das ondas. Uma vida lutando por vida. Tão pequena e tão corajosa, tão grande. A emoção é visível. Um respeito enorme. Um silencio impera. E ficamos olhando o mar até que a última tartaruguinha desapareça nas ondas. Missão cumprida das parteiras de tartarugas. Uma saudade já nos toma. Presenciamos um milagre. Ainda bem que temos muitos cercadinhos e logo, logo teremos tudo novamente. Realmente é um orgulho ser vizinha dos cercadinhos, redoma das inocentes trataruguinhas que sempre nos levam às lágrimas.
Nossa história bem que poderia terminar aqui. Uma linda história de vida, de amor, de respeito à natureza. Infelizmente o mundo não é só cor de rosa. E por mais que pareça cruel, existem predadores humanos ou desumanos. Os anjos tentam proteger os ninhos, montar guarda, mas não o suficiente para barrar a maldade de um homem. Outro dia, um ninho foi aberto, nada havia. O bicho homem decobriu que poderia na calada da noite, arrancar os ovos e vende-los para um restaurante onde seriam servidos como iguaria aos turistas. Nenhum respeito, nenhuma humanidade. Trataruguinhas que vieram de tão longe confiando em nós para nos entregar seus filhotes foram traidas.
Imagino com estarão os anjinhos de verde...perdoa tartaruguinha.