EXUBERÂNCIA ESTRANHA

Nunca gostei da beleza usual, da perfeição da forma. Beleza tem para mim algo subjetivo, subentendido, “subdesenhado”, um Q de diferente, intrínseco e instigante que prende os olhos e desperta a imaginação. Não é muito fácil prender minha atenção. Minha visão do belo é muito particular.

Porém meus olhos se rendem a excêntrica vegetação do cerrado. Nascida em berço goiano, esta vegetação resgata em mim lembranças e sentimentos impares. Lembranças do tempo em que essa paisagem era a extensão do meu quintal. Das inúmeras aventuras vivenciadas nesse palco e das incontáveis vezes que nos servimos de seus esdrúxulos, porém deliciosos frutos. Brincar até o sol anunciar, com a exuberância que lhe é comum, o fim do dia. Correr, se esconder, colher os frutos, subir em árvores. Árvores...

As árvores do cerrado com características únicas são, indiscutivelmente, o grande referencial dessa paisagem tão singular. Como fetos gerados a malgrado, ou como borboletas que ainda não estão prontas, mas que na luta incessante pela vida rompem o casulo de forma precoce. Ato que acarreta lhes o aspecto tão singular e as fazem carregar, como conseqüência ou castigo por tal ansiedade, a má-formação estampada em rugas, peques e aspecto retorcido. Imagem que me vislumbra os olhos e fervilha a imaginação.

E é essa vontade de viver, essa força, essa capacidade de romper, surgir e ressurgir das cinzas com tanta vivacidade que me faz relatar aqui minha admiração por "esse" Fênix goiano, tão nosso, mas que estende derramando se em graça pelo Brasil a fora e que aflora em mim a esperança e a certeza da mão abençoada de Deus. Esse Deus perfeito. Pintado de verde. Feito de esperança e fé. Capaz de ressurgir a si e aos seus. Capaz de acalmar as dores que incineram o ser seja ele de qual espécie for.

Referência da beleza estranha. Singular pela força de romper as entranhas do solo, extraordinário pela capacidade de reviver e extasiar os olhos. Ao Cerrado de história vegetal que se confunde com a humana, berço das águas e da vida exuberante e linda a minha devoção profunda.

Luciene Bessa
Enviado por Luciene Bessa em 09/05/2011
Reeditado em 16/07/2011
Código do texto: T2958299