O isqueiro, o rodopio e o Coringa
Daquele isqueiro à chama breve faltou o gás.
- Sem mais, meu bem, sem paz também.
Custa-me tão caro ir além. E eu não lhe fumo obrigado.
Sozinho e calado. Sentado, olho para todos os lados. São tantas as pessoas que passam – me questiono se suas essências elas revelam a si mesmas. Reticências.
Suas roupas denunciam o teatro carnavalesco em que diariamente nos interpretamos. Cada um com suas máscaras e fantasias: desejam das marcas de suas camisas que falem por si quais papéis interpretam neste palco.
Não desejo essa encenação para mim.
Paro-me em seus rostos, reparo até com desgosto - aguardo, um tanto ansioso, por um novo cigarro, enfim.
Levanto-me então. Saio. Ouço um mundo descompassado. Olho para os lados, para a confusão de recados. É preciso seguir, ainda que desassossegado.
As pessoas não param. Nem mesmo os carros. Na verdade, a cidade não pára. Até gosto de vê-la iluminada assim, mas restam sombras. Muitas sombras. Há intenso contraste. Falta brilho pra esta realidade.
Falta o gás pra esse isqueiro. Pra nossa chama ganhar vida. Nessa confusão de sons, tons, valores e dons, é preciso que alguém lhe tire pra dançar. Que lhe rodopie e te mostre novas cores, para que se desapegue das velhas dores, almeje novos sabores e desenhe, em seu sorriso, com os lábios novos ardores. Se permita, então! Tome as rédeas do seu próprio sorriso, invente suas regras!
E serás, então, Coringa desse baralho incrível que é o viver.