SENSUAL E DELICIOSA FADA VERDE

Eu já ouvi um monte de bobagens a respeito da bebida alcoólica, principalmente dos ébrios transloucados que insistem em permanecer bebendo até cair. Algumas piadas dizem que se a bebida está prejudicando o seu casamento você deve procurar outra mulher; umas mais engraçadas colhidas nas lameiras de caminhões como “se dirigir não beba; mas se beber me chama”; e uma otimista que diz que “no dia que eu parar de beber, vou tomar um porre para comemorar”.

Brincadeiras a parte quem bebe compostos alcoólicos sabe que o final não é dos melhores, porque saudável mesmo é beber outras coisas que não contenham álcool; até o tradicional, requintado, milenar, medicinal e suave vinho; bebida que compõe cenários desde os romances mais apaixonados até rituais religiosos, quando ingeridos na medida exagerada pode causar um baita problema ao organismo e a vida social!

Também já foi dito que o álcool é o fluido que fulmina os vivos e conserva os mortos. Por isso mesmo que muitos países no mundo têm leis severas em relação à graduação alcoólica de certas beberagens, incluindo o Brasil que não permite que sejam vendidas bebidas com teor acima de 60%. É bom sempre lembrar que a Lei brasileira proíbe a venda interna, mas nada fala de quem compra algumas bebidas fora daqui. Mesmo assim, alguns fabricantes espalhados pelo mundo desafiam o bom senso e colocam no mercado verdadeiras poções que derrubariam o mais destemido Hércules!

Uma das cinco mais fortes bebidas comerciais do mundo é o Absinto; mas também existem cervejas e outras poções tão fortes quanto. Na Bolívia eu bebi uma cerveja chamada Paceña fabricada pela Cervejaria Boliviana Nacional; esta bebida não embebeda, ela mata! No Líbano o Arak, uma cachaça destilada das tâmaras ou uvas também já me deixou pra lá de Bagdá, mas nada como a experiência de beber Absinto. Esta semana, no Uruguai, resolvi relembrar a alquimia de degustar a Fada Verde e comprei uma legítima garrafa francesa com, acreditem 83% de teor alcoólico; no primeiro trago, pura, desceu uma lágrima no canto esquerdo dos olhos; no segundo gole, também puro, um eco de sonar invadiu minha cabeça; no terceiro gole, finalmente eu vi a Fada Verde e fui dormir antes que eu enxergasse outras coisas!

Entre lendas e histórias, proibições e legiões de fanáticos admiradores, inclusive eu; acabei mergulhando no universo desta bebida para explicá-la da melhor forma para meus leitores, para que saibamos o máximo sobre a sua origem e suas propriedades. Para que possamos cada vez mais saber a hora certa de degustá-la ou de afastá-la definitivamente de nosso convívio, pois se beber pode causar dependência, beber Absinto pode gerar tumultos tão efêmeros que podemos pensar que são infindáveis; é a maldição da Fada Verde!

O absinto suíço possui teor alcoólico variando de 68% a 72%, mas sua venda é terminantemente proibida em terras brasileiras; somente a versão “ordinaire” com graduação em torno de 45% é liberada, mas pouco se vê esta bebida por aqui. Acontece que não é só o álcool que faz a bebida favorita dos boêmios franceses; como o pintor Toulouse-Lautrec e os poetas Rimbaud e Baudelaire, tão famosa e temida. Sua composição de ervas, em especial a Artemisia absinthium ou Losna, como é comumente conhecida no Brasil tem efeitos inebriantes e o abuso pode causar convulsões, alucinações e surtos psicóticos, além de danos cerebrais permanentes, o que em teses explicaria as loucuras do pintor Van Gogh.

A origem mesmo ninguém sabe ao certo, mas pelo que já foi pesquisado o Absinto foi criado para servir de remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, um médico francês que viveu na Suíça e que acreditam ter criado a bebida por volta do final do Século XVIII. Remédio ou bebida a qualificação correta para a Fada Verde é a de licor, mas é bom lembrar que ela é destilada, enquanto os licores não!

Sabe-se também que ficou muito popular na França no início do Século XX e foi proibida em 1915. Muitos países a exemplo da Dinamarca, jamais baniu de sua carta de bebidas legais o Absinto e isso contribuiu para que ela se tornasse famosa e lendária. O cognome de Fada Verde ou La Fée Verte ocorreu depois que muitas pessoas que bebiam o destilado atribuíram efeitos alucinógenos. Existem várias tonalidades de Absinto no mercado; o mais comum é o verde pálido, mas existem também as bebidas com tonalidades diferentes como as transparentes e as de matiz castanhos claro.

A graduação alcoólica é outra lenda; muitos falam em 95%, mas as bebidas comerciais industrializadas começam com 40% e podem chegar a 85%; é sempre bom deixar claro, que 40% de teor alcoólico é um verdadeiro absurdo; 85% é uma bomba atômica. A maioria dos vinhos não passa de 15% de graduação alcoólica.

O Absinto foi proibido em parte da Europa no Século XX, porque era considerada como uma droga de massas, levando a população ao vício e conseqüente alcoolismo. Muitos médicos afirmaram que o seu consumo seguido levava o sujeito a ter convulsões epiléticas, loucura e até suicídio. A Suíça declarou que 40% de sua população eram dependentes da Fada Verde no início do Século XX; na mesma época cerca de 220 milhões de litros da bebida foram produzidas na França. Os franceses consumiam tanto Absinto entre as 17:00h e as 19:00h que tal período temporal foi apelidado de “a hora verde”.

Ainda no início do Século XX, por volta do ano de 1910, muitos países começaram a declarar que os índices de criminalidade estavam crescendo vertiginosamente; eles atribuíram este crescimento da criminalidade ao consumo de Absinto. França, depois Suíça, depois Estados Unidos e quase toda Europa começaram a proibir a bebida; quem não deu bolas para o alarde mitológico e a consideravam como uma bebida qualquer foi Portugal, Dinamarca, Inglaterra e Espanha; mas mesmo estes países, exigiam que ela fosse produzida com doses limitadas de tujona; o composto químico que também se produz hoje a acetona.

Das lendas urbanas sabemos que os efeitos alucinógenos jamais foram comprovados; sabemos também que quem bebe qualquer tipo de composto alcoólico, seja ele licoroso, destilado ou fermentado, dependendo da estrutura física e metabólica pode ou não desenvolver sintomas mais fortes de atordoamento e até desfalecimento. O Absinto é de fato uma das cinco mais fortes do planeta, mas se pode sim bebê-la sem ultrapassar as barreiras do limite físico, basta se ter consciência do que está ingerindo.

Desta última vez que bebi a Fada Verde, primeiro me alimentei, mas estava cansado e havia bebido três cervejas antes e estava sozinho; três doses generosas de Absinto foi meu limite. O Absinto vendido no Brasil, que não possui mais do que 53% de teor alcoólico eu jamais experimentei e duvido que produza efeitos diferentes das outras importadas com maior teor!

O sabor amargo e doce, por mais contraditório que possa parecer é uma verdade que raramente agrada aos bebedores de destilados. Quem já bebeu alguma vez o chá de losna, excelente para o estômago, conhece bem a principal característica do Absinto que é o amargor tônico que, aliás, é citado até em versos de Salomão: “a infidelidade, ainda que possa ser excitante e doce no seu início, costuma ter um fim amargo como a losna”.

Na Grécia Antiga esta planta era dedicada à Ártemis, deusa da fecundidade e da caça. Daí a origem de seu nome científico. Popularmente, a losna também é conhecida como absinto, erva-do-fel, alenjo, erva-de-santa-margarida, sintro e erva-dos-vermes. As propriedades aperitivas, vermífugas e estomacais explicam o uso da planta no preparo do vermute e do licor de absinto, entretanto, vale lembrar que a presença de uma substância tóxica - a tuinona - pode produzir efeitos altamente perigosos. Em doses elevadas, os chás e outros preparados a partir desta planta podem provocar tremores, convulsões, tonturas e até delírios. No século XIX, registraram-se vários casos de intoxicações e até mortes provocadas pelo uso de um licor obtido pela maceração do absinto em álcool.

O grande problema do mito em torno do Absinto é que hoje, talvez como antigamente também, as pessoas que nunca o experimentaram abusam de seu consumo e como o teor alcoólico é muito alto a sensação de tontura é mais rápida e mais forte. Estes novos experimentadores sem muito controle corporal, nos dias atuais, desafiam a lei da natureza e a lei dos homens e saem dirigindo carros cada vez mais possantes, expondo não só as suas vidas aos braços da morte, como também daqueles que cruzam inocentemente o seu caminho.

Outros que já possuem baixa resistência natural ao consumo de qualquer tipo de álcool, muitas vezes enfiam o pé na jaca e saem fazendo as maiores atrocidades possíveis e inimagináveis; depois são flagradas com uma garrafa de Fada Verde e a bebida é quem acaba levando a culpa.

Se você tem costume de beber e não faz bobagens, como por exemplo, dirigir; quando visitar outros países onde o Absinto é vendido legalmente, dê-se ao deleite de degustar uma dose desta bebida única; deixe ao menos que a Fada Verde visite seu interior e sinta como é invejável e inigualável a sensação de possuí-la na língua e senti-la descendo a garganta. Quem já bebeu Graspa ou Bagaceira com café quente saberá muito bem do que estou falando. Depois de degustar a Fada Verde você perceberá que o mais forte uísque é na verdade, colírio!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editor do site www.irregular.com.br

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Enviado por CHaMP Brasil em 08/05/2011
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