Sequestrado

"Murray Hill, Nova York"

Por mais ou menos um ano, eu passava quase todos os dias na esquina da Lexington Avenue com a rua 32. Em praticamente todas as oportunidades, eu tirava uma foto do Chrysler Building. Este nem é o melhor ângulo para se fotografar este edifício, mesmo assim, tenho centenas de fotos semelhantes, com vários tipos de iluminação diferentes, com sol, com neve, com nuvens, com chuva. Sentia-me um pouco como Monet e a fixação dele em pintar a Notre Dame de Rouen em vários horários distintos, iluminada pelas diferentes matizes do dia.

Aquela manhã de maio havia sido como qualquer outra e, na esquina da Lexington, apanhei minha câmera e tirei a costumaz foto do Chrysler.

Ao me virar para seguir meu caminho, dei de cara com um doidinho, que apontou com o dedo para a minha câmera e me pediu para fotografá-lo: um pedido pouco habitual em Nova York, onde todos estão o tempo todo apressados, preocupados com seus próprios assuntos.

Não hesitei, ajustei a câmera e apontei para o doidinho, que me fez um sinal para esperar um pouco. Ele tirou da pasta uma folha de papel e segurou diante de si.

Tirei a foto e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele guardou a folha e foi embora.

Imediatamente, chequei a foto no visor e tentei aproximar o máximo possível para ver o que estava escrito no papel. Podia ler em letras maíusculas "KIDNAPPING", que indicava um sequestro, e aqueles panfletos deveriam ser de alguém buscando por alguém desaparecido ou sequestrado, conclui.

Será que era algum parente do doidinho e ele pensava que eu era fotógrafo de um jornal?

Era uma hipótese, mas não dei muita bola.

No entanto, no transcorrer do dia, outra ideia, muito mais terrível, muito mais assustadora, passou por minha cabeça: e se aquele era o sequestrador? E se ele, num gesto incompreensível, digno de um psicopata, simplesmente queria deixar a marca de seu crime gravada na câmera fotográfica de um desconhecido?

Eu deveria chamar a polícia? E falaria o quê? Que um doido me abordou na rua com um papel nas mãos e que ele era o potencial sequestrador de alguém?

Ao chegar em casa, mostrei a foto para Denise e ambos ficamos intrigados. Mal dava para ler o nome do sequestrado, mas percebemos que era uma criança. Aproximamos o foto ainda mais e, com um certo esforço, conseguimos ver que era um bebê chamado Bryan dos Santos-Gomes.

Convenhamos que este era um sobrenome muito estranho para uma criança americana, ou até mesmo para uma mexicana. Procuramos no Google e descobrimos que o bebê Bryan era filho de brasileiros, que haviam cruzado a fronteira do México para os EUA e viviam na Flórida.

Suspeitava-se que o menino havia sido sequestrado como represália por parte dos coiotes mexicanos porque os pais não haviam pago inteiramente a travessia. Ele havia sido sequestrado em 2006, com um mês de idade.

Mas o que um panfleto de um filho de brasileiros sequestrado na Flórida fazia nas mãos de um doido nas ruas de Nova York?

Infelizmente, esta é uma pergunta para a qual jamais teremos uma resposta.

Bryan ainda está desaparecido...

(Publicado originalmente em http://www.violanasacola.com/2011/04/sequestrado.html)