A Visão dos Deuses
22 de outubro de 2010, Machu Picchu Pueblo
O nosso erro havia sido escalar Wayna Picchu, o pico mais alto de Machu Picchu. Não sei porque havíamos acreditado no nosso guia de bolso, que dizia que era uma subida fácil, que em meia hora se atingia o topo.
Havíamos acordado às quatro da manhã, pois ouvimos relatos que os ônibus para as ruínas ficavam cheios logo cedo. Queríamos ser um dos primeiros a chegar à Macchu Picchu, já que apenas quatrocentas pessoas podiam subir o pico por dia. Aquela era uma experiência única na vida e não pretendíamos desperdiçá-la.
No entanto, não éramos os únicos a pensar assim e, às quatro e meia da manhã, a fila para os ônibus já era assustadora. Lá em cima, na porta de entrada das ruínas, a fila era igualmente gigantesca, mas andava rápido.
Nem todos pretendiam subir Wayna Picchu, assim, quase correndo em meio às ruínas e pensando que deixaríamos para fotografar tudo quando descêssemos, acabamos conseguindo ser um dos primeiros a receber a autorização para a subida.
Apenas meia hora e estaríamos no topo, com uma vista de Machu Picchu que poucos teriam!
Meia hora? Que nada!
Este foi quase o tempo que levamos para cruzar o pequeno morrinho que dava acesso à Wayna Picchu. A verdadeira subida nem havia começado e todos no nosso grupo já estavam exaustos.
A primeira coisa que se pensa quando se sobe aquelas escadinhas estreitas margeando um abismo de floresta e rios é: como é que os incas conseguiram construir isto tudo? Que maravilha!
A segunda coisa que se pensa é: que diabos eu estou fazendo tentando subir este morro?!
Não é coisa para amadores, eu lhes asseguro. O pessoal que estava em forma, provavelmente já acostumados com este tipo de subida, passava pela gente sem nem suar. O ar rarefeito daquelas bandas também não ajudava muito e, na medida em que o tempo passava, ficava mais quente e úmido.
Desistir naquele ponto já não era mais uma opção, era uma questão de honra, ainda mais quando vimos uma placa informando que faltavam vinte minutos para o topo. Olhávamos para cima, mas não havia nenhum sinal de estarmos próximos. Nas expressões das pessoas do nosso grupo havia um misto de desespero, desânimo, cansaço e vontade de chegar logo lá em cima.
Uma placa na entrada do parque proibia trazer garrafas de água para dentro de Machu Picchu e, aparentemente, nós havíamos sido os únicos a respeitar esta proibição. Todos passavam com garrafões de água, refestelando-se, e nós ali, com a língua dependurada, morrendo de sede e cansaço.
Depois de uma hora subindo escadas íngremes, você descobre que suas pernas não respondem mais. Em alguns trechos, tínhamos de escalar engatinhando, como uma criança aprendendo a caminhar.
No mesmo ritmo que a gente, subia uma senhora que parecia ter uns oitenta anos, apoiava-se numa bengala e era assistida por uma ajudande. Esta velhinha serviu de estímulo para o nosso grupo: se ela conseguia, nós também tínhamos de conseguir!
A gente se sentava para descansar um pouco e, quando víamos os cabelinhos grisalhos dela aparecendo lá embaixo, este era o sinal para continuarmos.
Resolvi me adiantar e tentar chegar logo ao topo, deixei o grupo para trás e, finalmente, atingi uns terraços, de onde podia-se ver os Andes peruanos. Estava exausto, com sede, até com medo, e ainda faltava um pouquinho para chegarmos ao final da escalada.
- Já estamos quase lá! - gritei para o pessoal, e minha voz ecoou pelas colinas.
- Nhanhanham! - alguém resmungou algo incompreensível lá debaixo, devia ser a Denise.
O grupo chegava aos terraços ao mesmo tempo em que a velhinha. Terminamos de completar a subida e pudemos ver as pequenas ruínas de Wayna Picchu, com a visão deslumbrante de Machu Picchu. Como havia dito, uma visão que poucos teriam.
Todavia, estávamos tão exauridos que tudo que queríamos era nos deitar e relaxar. Havia sido quase duas horas para subir, e uma hora e meia para descer.
Já embaixo, tiramos um foto com a senhora que nos serviu de inspiração.
Valeu a pena?
Difícil dizer...
No dia seguinte, duas pessoas haviam morrido em Wayna Picchu: uma mulher despencou no precipício e um senhor morreu do coração no topo.
Pelo menos, saímos vivos, então deve ter valido!
(Artigo publicado originalmente em http://www.violanasacola.com/2011/04/visao-dos-deuses.html)