DIÁRIO DE UMA VIAGEM - PARTE II
... Nesta hora, é bom contar com uma mulher do nosso lado. A minha esposa, para poder falar comigo, sem alarmar a minha mãe, chamou-me para ir com ela ao banheiro – alegando que tinha muita gente e ela comigo se sentia mais segura. Saí do carro com ela e, a uma boa distância, discutimos o que iríamos fazer. Conclusão da confabulação: tínhamos que dizer a minha mãezinha que “os amigos do alheio” tinham-lhe feito uma visitinha.
Preparei-me muito bem para poder dizer-lhe o acontecido. Porém, ao olhar para o vidro traseiro do carro, já vi que ela tinha acordado, que estava olhando para nós, desconfiada, com certeza, já sabendo que alguma coisa não estava bem. Mãe nunca se engana... Assim, sem poder “enrolar”, tive que dar-lhe a notícia. Foi um Deus nos acuda! Ela quis chorar, começou a tremer – com razão. Ela cuida da casa – mora sozinha – e a traz toda "nos trinques” * e, de repente, um malandro a invade... É de doer no coração –, mas eu a acalmei. Levamos uns dez minutos para resolver o que fazer. Como ela não tinha deixado as chaves da casa com nenhum irmão dela, a solução, qual foi? Essa mesmo: voltar!
Voltamos. No percurso inverso, os lamentos e suspiros da minha mãe. Engraçado como, nesta hora, nós, por mais equilibrados que sejamos, a raiva vai tomando de conta e acabamos por proferir alguns impropérios e passamos a raciocinar de acordo com a Lei de Talião. No caso, o meu pensamento era de fazê-lo pagar (se eu o pegasse) e eu mesmo aplicar a pena para o delito que ele cometeu. Respirei fundo, no entanto, e refleti sobre um ato de violência. Não seria correto justificar um erro com outro erro. Assim, convicto de que nasci para formar cidadãos e não para colaborar com os índices de selvageria – agindo com as próprias mãos –, resignei-me e procurei, da mesma forma, acalmar a minha genitora.
O tempo, na volta, estava instável. Ora chovia, ora o tempo dava uma trégua; porém, o clima era agradável e não prejudicava a dirigibilidade, como, por exemplo, cansando o condutor. Na altura da cidade de Caiçara do Rio dos Ventos, um carro de passeio nos ultrapassou. No interior, duas pessoas: um senhor e a sua senhora. Iam rápido demais para o trânsito existente. Por duas ou três ocasiões, o motorista teve de fazer manobras arriscadas para poder voltar para pista da direita – quando da tentativa de ultrapassar outros veículos à frente. Fiquei apreensivo. Por experiência, sei que, quando se começa a querer passar por todo mundo, o resultado, geralmente, é desastroso. Ainda mais quando o veículo que se dirige é menos potente que a maioria dos carros que vão à frente. No caso do senhor que dirigia com pressa de chegar, a pista molhada, os freios comuns, o veículo com vários anos de uso, o fluxo intenso de carros na via, a pouca visibilidade devido ao spray de água dos carros a sua frente, tudo isso era um sinal de que aquela “corrida” não ia acabar bem.
Não acabou. De repente, numa ultrapassagem, onde o acúmulo de água na pista era maior, ele, o condutor do carro – que ia ultrapassando todo mundo –, tendo que buscar voltar para a pista que todos nós seguíamos, ao frear o carro para poder diminuir a velocidade e, com isso, inserir-se atrás dos demais, desgovernou-se e passou a rodar no asfalto molhado. Os carros que estavam atrás dele conseguiram frear e evitar o choque, puxando para a pista de acostamento. Ele, infelizmente, não conseguiu parar em cima da pista. Entretanto – e felizmente, quando o mesmo passou para a pista contrária, os carros que vinham em sentido oposto, conseguiram parar. Em seguida, o carro desceu a ribanceira, caindo de uma altura de uns três metros. Foi um corre-corre danado dos condutores dos outros veículos. Descemos juntos a ribanceira e procuramos saber, primeiro, se os ocupantes estavam bem. Estavam. Não tinham sofrido nenhuma escoriação ou ferimento mais sério. Apenas arranhões. A primeira providência foi retirar a senhora do banco de passageiros. Ela estava em estado de choque. Com muita luta, conseguimos retirá-la de dentro do carro e, com a ajuda de uma corrente humana, nós a levamos para cima. Neste momento, em cima da pista, os outros motoristas já tinham se organizado para ir avisando aos que vinham chegando e, com isso, diminuir a velocidade no local do acidente. Logo após, também, retiramos o condutor e o levamos para cima.
De volta para o carro, a minha mãe não estava se sentindo bem. Lá vai mais ajuda. Uma senhora que vinha, num outro veículo, atrás de nós, ofereceu água e tentou acalmá-la.
Vendo a situação da minha mãe – e com medo de ela ter um problema mais sério –, resolvi sair dali. Como tinha muita gente ajudando o casal, eu lhes dei o telefone da Polícia (para eles ligarem e o guincho vir para pôr o carro na pista de novo) e saí dali em direção a Mossoró.
No restante do percurso, apenas os sustos costumeiros e os flagrantes de abuso – por excesso de velocidade e ultrapassagens em locais proibidos.
Chegamos, de volta a Mossoró, em torno das dezesseis horas. Fomos direto à casa de um tio. Lá, ficamos sabendo como tudo tinha ocorrido: o rapaz, um morador do mesmo bairro, porém viciado em crack, viu quando eu fui apanhar a minha mãe. Sabedor de que ela morava sozinha e que, pelas coisas colocadas no porta-malas do carro, ela ia demorar a voltar, resolveu fazer uma visitinha ao interior da casa dela. Acredito que o intuito dele não era de querer decorá-la, muito menos de “pastorá-la”, enquanto ela estivesse ausente...
Continua...... Nesta hora, é bom contar com uma mulher do nosso lado. A minha esposa, para poder falar comigo, sem alarmar a minha mãe, chamou-me para ir com ela ao banheiro – alegando que tinha muita gente e ela comigo se sentia mais segura. Saí do carro com ela e, a uma boa distância, discutimos o que iríamos fazer. Conclusão da confabulação: tínhamos que dizer a minha mãezinha que “os amigos do alheio” tinham-lhe feito uma visitinha.
Preparei-me muito bem para poder dizer-lhe o acontecido. Porém, ao olhar para o vidro traseiro do carro, já vi que ela tinha acordado, que estava olhando para nós, desconfiada, com certeza, já sabendo que alguma coisa não estava bem. Mãe nunca se engana... Assim, sem poder “enrolar”, tive que dar-lhe a notícia. Foi um Deus nos acuda! Ela quis chorar, começou a tremer – com razão. Ela cuida da casa – mora sozinha – e a traz toda "nos trinques” * e, de repente, um malandro a invade... É de doer no coração –, mas eu a acalmei. Levamos uns dez minutos para resolver o que fazer. Como ela não tinha deixado as chaves da casa com nenhum irmão dela, a solução, qual foi? Essa mesmo: voltar!
Voltamos. No percurso inverso, os lamentos e suspiros da minha mãe. Engraçado como, nesta hora, nós, por mais equilibrados que sejamos, a raiva vai tomando de conta e acabamos por proferir alguns impropérios e passamos a raciocinar de acordo com a Lei de Talião. No caso, o meu pensamento era de fazê-lo pagar (se eu o pegasse) e eu mesmo aplicar a pena para o delito que ele cometeu. Respirei fundo, no entanto, e refleti sobre um ato de violência. Não seria correto justificar um erro com outro erro. Assim, convicto de que nasci para formar cidadãos e não para colaborar com os índices de selvageria – agindo com as próprias mãos –, resignei-me e procurei, da mesma forma, acalmar a minha genitora.
O tempo, na volta, estava instável. Ora chovia, ora o tempo dava uma trégua; porém, o clima era agradável e não prejudicava a dirigibilidade, como, por exemplo, cansando o condutor. Na altura da cidade de Caiçara do Rio dos Ventos, um carro de passeio nos ultrapassou. No interior, duas pessoas: um senhor e a sua senhora. Iam rápido demais para o trânsito existente. Por duas ou três ocasiões, o motorista teve de fazer manobras arriscadas para poder voltar para pista da direita – quando da tentativa de ultrapassar outros veículos à frente. Fiquei apreensivo. Por experiência, sei que, quando se começa a querer passar por todo mundo, o resultado, geralmente, é desastroso. Ainda mais quando o veículo que se dirige é menos potente que a maioria dos carros que vão à frente. No caso do senhor que dirigia com pressa de chegar, a pista molhada, os freios comuns, o veículo com vários anos de uso, o fluxo intenso de carros na via, a pouca visibilidade devido ao spray de água dos carros a sua frente, tudo isso era um sinal de que aquela “corrida” não ia acabar bem.
Não acabou. De repente, numa ultrapassagem, onde o acúmulo de água na pista era maior, ele, o condutor do carro – que ia ultrapassando todo mundo –, tendo que buscar voltar para a pista que todos nós seguíamos, ao frear o carro para poder diminuir a velocidade e, com isso, inserir-se atrás dos demais, desgovernou-se e passou a rodar no asfalto molhado. Os carros que estavam atrás dele conseguiram frear e evitar o choque, puxando para a pista de acostamento. Ele, infelizmente, não conseguiu parar em cima da pista. Entretanto – e felizmente, quando o mesmo passou para a pista contrária, os carros que vinham em sentido oposto, conseguiram parar. Em seguida, o carro desceu a ribanceira, caindo de uma altura de uns três metros. Foi um corre-corre danado dos condutores dos outros veículos. Descemos juntos a ribanceira e procuramos saber, primeiro, se os ocupantes estavam bem. Estavam. Não tinham sofrido nenhuma escoriação ou ferimento mais sério. Apenas arranhões. A primeira providência foi retirar a senhora do banco de passageiros. Ela estava em estado de choque. Com muita luta, conseguimos retirá-la de dentro do carro e, com a ajuda de uma corrente humana, nós a levamos para cima. Neste momento, em cima da pista, os outros motoristas já tinham se organizado para ir avisando aos que vinham chegando e, com isso, diminuir a velocidade no local do acidente. Logo após, também, retiramos o condutor e o levamos para cima.
De volta para o carro, a minha mãe não estava se sentindo bem. Lá vai mais ajuda. Uma senhora que vinha, num outro veículo, atrás de nós, ofereceu água e tentou acalmá-la.
Vendo a situação da minha mãe – e com medo de ela ter um problema mais sério –, resolvi sair dali. Como tinha muita gente ajudando o casal, eu lhes dei o telefone da Polícia (para eles ligarem e o guincho vir para pôr o carro na pista de novo) e saí dali em direção a Mossoró.
No restante do percurso, apenas os sustos costumeiros e os flagrantes de abuso – por excesso de velocidade e ultrapassagens em locais proibidos.
Chegamos, de volta a Mossoró, em torno das dezesseis horas. Fomos direto à casa de um tio. Lá, ficamos sabendo como tudo tinha ocorrido: o rapaz, um morador do mesmo bairro, porém viciado em crack, viu quando eu fui apanhar a minha mãe. Sabedor de que ela morava sozinha e que, pelas coisas colocadas no porta-malas do carro, ela ia demorar a voltar, resolveu fazer uma visitinha ao interior da casa dela. Acredito que o intuito dele não era de querer decorá-la, muito menos de “pastorá-la”, enquanto ela estivesse ausente...
* Nos trinques: organizada, arrumada, limpa, tudo nos seus devidos lugares...
Obs. Imagem da internet (Caiçara do Rio dos Ventos/RN)