A Vida dentro da Viagem!

A Vida dentro da Viagem!

Em um ônibus cheio de estudantes universitários felizes e cheios de energia, saindo de uma universidade para uma aula de campo em uma aldeia indígena um estudante manteve-se pacato no mais tranquilo silêncio. Mas, o que parecia tristeza era apenas a felicidade sendo saboreada. Sem exagero, aquele estudante acreditava ter passado naquele trajeto mais de 777 vezes. Porém, aquela vez foi diferente, a pista era diferente, as árvores eram diferentes, os carros, as casas, os rostos das pessoas, tudo era diferente. Diferente era o seu olhar, pois sua posição não era a mesma. Agora ele passava a ver as coisas com uma nova perspectiva.

Esse estudante foi criança de rua, ou na rua, apesar de ficar nas ruas durante o dia, ele sempre voltava para casa à noite, para o lar, onde ele podia retornar sempre que quisesse, principalmente ao anoitecer. Durante o dia ele trabalhava, pedia comida, coletava “lixo” e cometia pequenas infrações. Ele não tinha sonhos nem projetos de vida. Assistia na TV que para ser feliz tinha que ter UM MILHÃO ($) e para ter um milhão tinha que ser jogador de futebol e como não tinha habilidade com a bola, pensou em outros esportes, mas logo foi perdendo o entusiasmo, pois logo no início das manhãs de segunda-feira ao sábado, ele ouvia no programa de televisão, que “o importante é competir”. Claro que participar é importante, mas ele não queria apenas está participando para servir de degrau; queria chegar na frente, apesar de escutar: "Tem que correr atrás." Pensou também, em ser policial, mas olhou em volta e percebeu que a ideia de ser policial estava muito longe de acontecer, já que a cada mês ele tinha uma pessoa muito próxima da sua convivência assassinada, e nenhum modelo de cidadão no qual pudesse inspirar-se. A televisão parecia insinuar apenas dois caminhos: se ele não pudesse ser policial seria marginal, o que estaria muito mais próximo da sua realidade, visto que era abonado com a propaganda da TV, com suas interpretações, dimensões e contradições, no qual dava a entender que "quem usa arma é policia ou bandido".

O seu maior sonho não estava pautado na riqueza nem no sucesso, mas no almoço diário e contínuo. Sua maior fome não era o estômago vazio, mas a preocupação de comer hoje sem saber se iria voltar a comer amanhã. E não comia apenas para saciar a fome, mas para estocar (no estômago) o máximo de comida que pudesse. Na rua aprendeu muitas coisas ruins, mas também muita coisa boa, tipo: ser solidário podia até não praticar, mas sabia bem o que era ter solidariedade: ao receber um resto de esfirra e um pouco de refrigerante no fundo da garrafa... Ficou eternamente grato aquela pessoa que lhe deu esse lanche. Porém, não é isso que ele conhece como solidariedade... Apesar da escola ensinar primeiramente a somar... ele era capaz de dividir um minúsculo pedaço de salgado repartindo para três ou mais crianças, mesmo estando com fome para comer dez vezes mais a mesma quantidade, ainda assim dividia.

Espere um pouco, não fique triste! Ele ficou muito feliz quando criança assim como é hoje. Apenas teve dificuldades diferentes na infância. Mas, no início da vida adulta teve a sorte de encontrar muitas amigas e amigos, que aos poucos o levou a uma socialização e a projetar sonhos, de que um mundo melhor é possível a partir dele, em solidariedade com outras pessoas.

Conseguiu sair da contramão da vida para uma vida uma vivência em sociedade. Mesmo com todos os números estatísticos apontando para um período curto de vida: Pobre, marginalizado, filho de pai desconhecido e de mãe analfabeta, em um sistema que parece que usou o modelo reprodutor humano como parâmetro, onde milhares correm e apenas um ou pouco mais sobrevivem. Mesmo assim, com todas as dificuldades e diversidades, ele estava lá no ônibus com estudantes UNIVERSITÁRIOS, indo para uma aula de “campo”, cujo significado não sabia, só sabia que para ele era muito mais do que uma aula, era uma lição de que uma vida melhor é possível, principalmente quando compartilhada com outras pessoas. . .

Ronaldo Souza

Ronaldo Souza
Enviado por Ronaldo Souza em 07/05/2011
Reeditado em 14/09/2022
Código do texto: T2955775
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