BEIJO ARDENTE... ARDENTE MESMO!

Olá, me chamo Manel. Há algum tempo, meu pai e eu, moramos a sós. Não existe todo aquele amor, sabe? Mas, mesmo assim, o respeito que há é fora do normal. Tem horas que percebemos que, a convivência num AP de dois vãos e um banheiro, se torna insurpotável, mas nunca, nunca mesmo, discutimos ou brigamos. Mesmo apesar de ser ele resmungão e organizado; eu, bagunceiro e sempre se boa.

Todas as manhas são do mesmo jeito. Ele acorda as 7:00 horas, toma seu café, fuma seu cigarro, bate um papo com o vizinho e vai ao mercado comprar frutas, leite, pão e carne; já eu, acordo as 11:00, com a nossa empregada doméstica passando pra cima e pra baixo, varrendo o chão, limpando móveis, o almoço já prestes a sair... peço benção ao meu pai... como e descanso, pra depois estudar e trabalhar.

Todas as tardes são iguais. Ele dorme até as 16:00, acorda e põe a cadeira de balanço na calçada pra reparar a vida alheia. Saio para praticar exercícios e lhe peço sua benção. Nossas conversas são poucas. Logo, eu sou pouco comunicativo com o povo da minha família. Com as pessoas da rua e do trabalho, até sou meio tagarela, mas em casa, só falo o necessário. É algo a se descobrir no meu inconsciente. Freud explica.

E nas noites nada é tão diferente. Ele começa assistindo a novela das seis na TV Globo, passa por algumas novelas da TV Record, e segue sentado se balançando e fumando em frente a TV até a ultima novela do dia que passa na SBT, enquanto estudo, trabalho e escrevo até pouco antes de dormir. Assim é nossa rotina.

Complicado mesmo, são as bênçãos da noite, pois todas as noites, ele me estende a mão, insinua para que eu lhe peça sua benção... dou-lhe a mão e digo: “abença”. Meu pai me responde: “deus lhe abençoe”. Ele beija-a e põe a sua mão, que está junta à minha, perto de minha boca, para que eu retribua o beijo. Fico sem saídas, beijo-a também. Feito isso, o velho se recolhe à rede para dormir, enquanto deitado por sobre a cama, empunhando sempre um bom livro, com o abajur ligado, espero o sono chegar. Afinal, não há sono que não goze diante da leitura.

É foda! Pois como fora dito, moramos num AP pequeníssimo, e o banheiro é junto ao meu quarto... portanto, sempre antes de todo esse ritual, nitidamente percebo que o velho mija mas depois não lava as mãos. Não escuto o barulho da descarga, nem o gotejar das águas da pia. Mesmo assim, sou forçado a beijar a mão que balançou um pinto e segurou o dia todo pitubas de cigarro. Que dureza!

Pô... o corôa é destro: ele balança o pinto, pita o cigarro e me ordena benção, tudo com a mão direita. Não dá, né?! Ah... Agora sim, entendi porque minha mãe dizia que, todo dia, antes de dormir, eu deveria indispensavelmente, escovar os dentes. Ela até me batia se eu não o fizesse!

Acordo todos os dias com um bafo horrível. Ora, também não é pra menos... ser abençoado, todas as noites, por uma mão que está suja de urina e a nicotina do cigarro!

Mas calma, não se enojem por mim. Pois, quando seus pais te beijam, onde eles puseram as bocas na noite passada?