Ah, se fosse comigo!

- O quadro era uma relíquia de família?

- Tenho fumos de pintor. Era meu.

- Mas isso não muda os fatos.

- De modo algum.

- Ah, se fosse comigo! Eu matava.

- Inimaginável. Cortar um quadro para depois emoldurá-lo.

- Deve ter pensado: esse está longe de ser um Portinari.

- Isso.Ele cortou três centímetros. Dois dedos de largura. (Fez o gesto com a mão).

- Ah! Fosse comigo, matava. Torcia o pescoço do sujeito.

- Mas não matei. Hoje pensando melhor...

- Eu trucidava. Ainda era pouco. Como consegue perdoar uma coisa dessas?

- Era uma bela paisagem. Ele decepou um pedaço de árvore que ficava no canto de muro.

- Você é tolerante demais. Ah, se fosse comigo! Reclamou pelo menos? (Ela bufava como se o fato tivesse ocorrido com ela)

- Reclamei, mas ele podia estar defendendo o erro crasso de empregado relapso.

- Ainda sim lhe dava um murro.

- Nem cogitei quando ele confessou que há mais de trinta anos emoldurava e zás! Sempre que precisava cortava.

- Que horror. Jamais perdoaria. Pulava em cima dele e esmagava. (Era gorda)

- Ao contrário, senti que estava diante de história inédita.

- Imperdoável.

- Quando passei os olhos para a outra sala notei que ele possuía um acervo próprio. Era pintor também. Passei até a admirar os seus quadros.

- O quê? Então você leva um quadro para emoldurar... O cara corta a tela ao meio e você...

- Cansei de confundir direito com acesso de ignorância.

- Sabe de uma coisa, você merece uma surra para aprender deixar de ser tolerante.

Levantou explodindo. Virando o café pela metade.

- Ah! Se fosse comigo...

************************

Série Coisas da Vida

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 07/05/2011
Código do texto: T2954829
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.