A Linha do Tempo

De repente, sentado à janela de um ônibus, passando em frente a uma escola estadual, lembrei-me de um momento da vida, na minha época de Liceu, que pensei tivesse ficado perdido em alguma esquina mal iluminada da memória, misturados a um grupo de agora controvertidos neurônios e um cem número de sempre irascíveis células nervosas, quase no início de serem consideradas idosas.

Percebo que, alguns anos mais perto de atingir os sessenta, ainda me vejo envolvido num emaranhado de normas e regras que a velha matrona e coercitiva sociedade, desde aquele tempo, me impôs e, até hoje teimo em contrariar.

Lembrei-me da época dos coturnos pesados !!! .... que loucura !!! Tudo era paz e amor .... só que, unicamente, nos arrabaldes da cidade.

Caso contrário .... borracha em cima. Quem é mais antigo lembra bem.

No vigor daqueles vinte e poucos anos, me vinha um fôlego e uma força contestadora, que meu pai, preocupado, no intuito de arrefecê-la, ensinava com sábias palavras, aquilo que também tinha ouvido dos seus : ” - O mundo é assim mesmo. Quando tiver a minha idade você vai entender melhor ”.

Observando hoje, todas as coisas que ficaram para trás, só me vêm a mente os versos de Belchior : - ” Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais “.

Entendo, observando a minha atual realidade, que a sociedade mudou muito mais do que o próprio Belchior poderia supor em seus belíssimos versos, já que me vejo “guardado por Deus”, mas, nunca me entreguei a somente contar o vil metal .

Antes, os idosos não tinham as chamadas regalias mais modernas, no entanto, me parece, eram mais felizes. Os netos e filhos tinham mais tempo para eles.

Como era bom, quando crianças, a gente se esbaldar raspando o fundo de uma panela, onde ficava grudado aquele finalzinho de mistura de doce de abóbora com côco, receita exclusiva da vovó !!! Ou mesmo, soltar pipa em Morro Agudo, observado pelos olhos amorosos e diligentes de tia Clô.

Agora, no mercado tem tudo isso e, de uma forma muito mais rápida. A vovó não tem mais o privilégio de “estragar” (é assim que se dizia) os pequeninos com essas gostosuras. A gente acaba “esquecendo” de momentos preciosos que um dia viveu. Quem é mais jovem, provavelmente, jamais terá essa experiência.

Os idosos não ficam felizes ao se verem tratados como diferentes, pela sociedade que ajudaram a formar.

Imaginem se há coisa mais injusta do que as filas dos bancos, exclusivas para os (sexa....)... genários.

Nos supermercados e shoppings então ...., uma lástima olhar aquela figura desenhada nas vagas de estacionamento, num rabisco cruel, sempre mostrando que os idosos, não estão inclusos em processo algum.

É como se fossem ETS, com locais exclusivos para estacionarem suas espaçonaves.

Eu, desde muito, estaciono o carro nessas vagas ... Um ultraje essa discriminação !!!

Há locais, rodoviárias por exemplo, onde os idosos “podem” usar os banheiros sem custo algum !!! Tem gente que acha legal essa seleção !!!

Não são esses os privilégios que os idosos necessitam .... eles querem igualdade, respeito e a chance de se aninharem, de vez em quando, com seus netinhos, impedidos, que são agora, pelas babás eletrônicas. Não são as leis, agora eu enxergo, que irão mudar tudo isso. É o amor, ... sem regras e normas, já dizia aquela dupla caipira.

Na verdade, lendo recentemente um texto do Benvido Siqueira, que minha irmã Isabel, lá de longe enviou, concordo quando ele diz que, para a sociedade, os idosos são quase transparentes “... quase não são vistos.”

Esperei tanto tempo prá tentar compreender aquelas palavras do meu pai e, infelizmente, diante dos meus cinqüenta e poucos anos, já com a idade que ele anunciava à época dos conselhos, sou obrigado a dizer que ainda acho que o mundo não deveria ser assim e que não entendi nada melhor, pai, ..... absolutamente nada.

Meus neurônios continuam inquietos ....

Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 07/05/2011
Código do texto: T2954187