Hoje tem Poesia? Tem sim senhor
Procurei a Poesia dentre as páginas de um velho livro que repousa, há muito tempo, na estante esquecida.
Ela não estava lá.
Saiu e deixou em branco o antes colorido da página. Fugiu com todos os versos, suas palavras e rimas. Não deixou nenhum vestígio, sequer um bilhete.
Onde estaria a Poesia?
Um silêncio absoluto pairava sobre a casa agora vazia. A Poesia, antes, preenchia todos os espaços da casa, coloria as paisagens, despertava meus sonhos, fazia festa com a música. Ficava comigo quando o amor partia. Sempre tinha um verso para me consolar na tristeza e um outro para festejar na alegria.
Busquei pistas de onde a Poesia poderia ter-se escondido.
Caminhei por becos, ruas e avenidas. A todos perguntava se tinham visto a Poesia. Ninguém sabia.
O Outono se estendia estação afora e deixava pelo chão um rastro de folhas varridas pelo vento. Já despontavam as primeiras chuvas de maio, encharcando a terra ressequida, e eu prosseguia atrás da Poesia.
Levava comigo o velho livro, morada da Poesia.
Depois de muito caminhar parei na praça de uma cidadezinha muito antiga, como se tivesse parado no tempo.
Sentada em um banco da pracinha vi a Poesia. Havia lágrimas em seus olhos e quis saber o que havia. Ela disse que chorava por que há muito vivia trancada dentre as páginas do livro que agora eu trazia. Disse que nunca mais havia sido lida, que nunca mais havia despertado a minha emoção. Que eu não tinha mais tempo para ela, que há tempos não a lia.
Enquanto eu ouvia chegou um palhaço muito colorido. Atrás dele crianças corriam em um coro de pura alegria.
Ele viu a Poesia.
Perguntou:
– Hoje tem Poesia?
Em coro a criançada se animou:
– Tem sim senhor.
Delicadamente eu estendi a mão e apanhei a Poesia. Coloquei-a na página antes vazia, mas não fechei o velho livro. Dei-o ao palhaço que sorria. Ele leu a Poesia e ela, novamente recitada, recebeu aplausos e a promessa de que eu jamais a deixaria.
Rita Venâncio.