Sem essa de rainha...

                                            ( Dia das Mães)

     1. Me dizia um vate - daqueles que a gente ouve, escuta, e pede bis - que a mãe e a mulher amada são as figuras preferidas dos poetas noveis, nos seus primeiros versos.
     2. Assunte só. Eu tinha pouco mais de 16 anos. Ainda desbarbado e usando a loção Glostora para acomodar minha lisa e sedutora cabeleira, da qual muito me envaidecia.
     3. Aí, esquecido de que os poetas nascem poetas - nascuntur poetae - , atrevi-me a escrever sonetos. E à custa de muito suor, cheguei a fabricar (este é o termo) dois!
     4. Em um, lastimei, lagrimoso, a perda inesperada e cruel de um amor nascente, que me parecia eterno; e no outro, exaltei, com palavras e frases adocicadas, as virtudes e a incomparável ternura de Maria Luiza, minha saudosa Mãe. Guardei-os, melhor dizendo, escondi-os em um pasta qualquer. 
     5. Ontem à noite, mexendo, não sei por que, nos meus arquivos, procurei-os, e não os encontrei. Os dois sonetos teriam sumido na gostosa bagunça em que, vez por outra, transformo meu gabinete de sonhos.
Foi essa a conclusão a que cheguei, depois de vasculhar todas as pastas, coisa que só faço após os Réveillons. 
     6. Não pensem que fiquei triste ou aborrecido com o sumiço dos dois sonetos.
Se na intensão eles valiam muito, na rima e na métrica, tanto um como o outro, era um comprometedor e escandaloso desastre. Foi uma infeliz experiência. Nunca mais escrevi um único verso.  
     7. Que fiz, então:  atravessei os momentos mais românticos de minha alegre mocidade lendo bons e inspirados poetas. E  fui me aproveitando de seus poemas quando a poesia, e nada além dela, devia ser a mensageira dos meus recados...
Os vates estão aí, ao nosso alcance, com magníficos e comoventes versos acariciando as mães: a sua, estimado leitor, e a de quem não sabe cantá-las num poema, o mais modesto que seja.
     8. O maravilhoso poeta pernambucano Bastos Tigre, por exemplo, versejou: "Mãe! Que nome haverá de igual doçura/ Assim, tão breve e de harmonia tanta!/ É a primeira oração que se murmura,/ Vem-nos do coração para a garganta."
     9. Como mãe é um poema vivo, no dia em que se convencionou ser o seu dia, é natural que a gente saia doidinho a procura de versos formosos destinados a homenageá-la. Além de lhe mandar perfumados buquês de rosas.
     10. Este ano, porém, resolvi deixar os poetas em paz, e buscar, num prosador, a inspiração para minha crônica do dia das mães. 
     11. Mas, sem os poetas, logo me veio a pergunta: e agora? Dizer o que às mães? à mãe dos meus filhos e às mães que conheço bem de perto e as quero tanto bem?Sem falar na minha que já partiu.
     12. Me lembrei de uma crônica do Rubem Braga - Mãe - que vou tentar resumir, aproximando-me o máximo do texto por ele escrito e publicado em maio de 1953.
     13. Um menino e seus coleguinhas brincavam na praia sob as vistas do seu pai, um cidadão tranquilo, e de sua mãe, uma mulher elegante, mas muito nervosa. Ou, talvez, excessivamente cuidadosa.
     14. O garoto, chamado Joãozinho, oito anos, traquina, de vez em quando desaparecia, levando sua mãe ao desespero completo.  Mas sempre era encontrado, minutos depois, numa boa.
     15. Num determinado instante, "Cadê o Joãozinho?" A mãe, que o perdera de vista, culpou a praia inteira pelo desaparecimento do filhote.
     16. Eis que, de repente, o Joãozinho apareceu junto a ela - que não conseguia refrear sua aflição e desespero -, "trazendo na mão um sorvete que fora comprar".
     17. Com um sopapo foi recebido, e posto imediatamente de castigo.  (...)" ficasse sentado ali, se saísse um passo iria ver, ia apanhar muito, menino desgraçado!", sentenciou, furibunda, a genitora do Joãozinho.
     18. E conclui o Sabiá da Crônica dizendo que  o menino "quando sentiu que a tempestade estava passando fez o comentário em voz baixa, a cabeça curva, mas os olhos erguidos na direção dos pais: - "Mãe é chaaata..."

          19. Mãe é chata! Oh! que lindo. Que mãe, por acaso, não foi, em algum momento da sua vida, agraciada com tão carinhoso titulo, embora pareça estranho?
          20. Despeço-me, confessando-me feliz. Sim, porque consegui escrever pras mães, no Dia das Mães, sem chamá-las de rainhas do lar.
     Ou repetir aquele soneto que, lá pra tantas, jura que "ser mãe é padecer num paraíso". Com o eterno e irretocável respeito que me merece o autor desse belíssimo soneto, o poeta e escritor maranhense Coelho Neto.
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 06/05/2011
Reeditado em 25/02/2015
Código do texto: T2953414
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