Exercício de Meditação Medieval

Por que este texto tem o nome de “um exercício de meditação medieval”? Ora, porque falarei sobre a morte. Hoje ninguém pensa sobre a morte, não há livros de auto-ajuda, pelo menos que eu conheça, que trate deste tema. Mas não, não digo sobre a morte de outra pessoa, digo sobre a nossa própria morte. Isto porque a morte nos é estranha, nos assusta, nos mostra limitados, nos iguala. Para ela não existem ricos ou pobres; afortunados ou desafortunados; bonitos ou feios. A sua representação é uma caveira alada com uma foice em uma das mãos pronta a nos ceifar desta vida terrena e na outra mão uma balança dizendo-nos que para ela que para ela não existe qualquer distinção não só entre os homens mas entre todos os seres vivos. Nos vários manuais religiosos católicos antes do concílio Vaticano II, portanto material considerado atualmente como “medieval” (aqui entendido como algo ultrapassado), havia sempre uma meditação sobre a finitude do homem. Não é proselitismo. Excluindo-se a parte estritamente religiosa e da teologia católica, resta algo que considero fundamental. Saber-se mortal, saber-se pó que ao pó retorna, humaniza as pessoas. Hoje vigora a chamada Teologia da Prosperidade, que é como uma maneira de colocar Deus à minha disposição para me oferecer os bens materiais. Isso de certa maneira transforma Deus num Deus pós-moderno que se usa ao nosso bel prazer, fazendo-se Deus se submeter à vontade do homem.

Em Roma, há a Igreja de Santa Maria della Concezione dei Capuccini (Igreja de Santa Maria da Conceição dos Capuchinhos) que é bastante peculiar. Antigamente, monges e pessoas do povo eram enterrados dentro das igrejas. E nas catacumbas desse convento foram enterrados centenas, milhares de pessoas. Obviamente, não há espaço para tantas ossadas e estas, com o passar dos anos, eram retiradas para que outros fossem enterrados. Mas, o que eram feitas com elas? Usadas para decorar essas catacumbas. Crânios, fêmures e bacias em desenhos mil, enfeitam esses cemitérios antigos. Mas qual o objetivo desses enfeites? Lembrar os monges e aos visitantes que a vida é passageira. Lembrar-nos de quando a vida nos escapa da mão em apenas um segundo e o quanto nos preocupamos com coisas menores e mais limitadas do que nós próprios já somos. Como a própria inscrição das criptas, em três línguas, diz: “O que você é agora, nós fomos um dia; o que somos agora você será um dia.” Esta é uma versão para a inscrição de vários cemitérios brasileiros: “Eu fui o que tu és e tu serás o que eu sou”.

Siddarta Gautama, o primeiro Buda, ou seja, o primeiro a encontrar a Iluminação, diz que não nos devemos preocupar com a origem da vida, de onde viemos e para onde vamos, pois ele considera esses nossos questionamentos desnecessários. Ele mesmo diz: acaso um homem que levou uma flechada envenenada no peito vai querer saber de que é feita a flecha, qual o veneno foi utilizado ou mandar vir logo o cirurgião para curá-lo? Também o livro do Eclesiastes, na Bíblia, diz no final do seu capítulo segundo: toda a sabedoria é perseguir vento e vaidade.

Mas, o título deste texto é: um exercício medieval e até agora não propus o tal exercício. Então vamos a ele.

Um dia que meus caros leitores estiverem em casa, deitados, lembrem-se que são mortais e pensa na morte, na sua morte. Pense no seu velório, na sua urna funerária. Que serão feitas das suas coisas? E suas amizades? Quem sentirá sua falta? Se este dia em que vivo fosse o último, teria feito algumas coisas que hoje fiz? Depois, noutro dia, vá a um cemitério. Passei por lá, leia os nomes das placas e pense: esta pessoa nasceu, viveu e passou por dificuldades assim como eu. Teve dores, riu, se entristeceu. E hoje o que é? Pó. Em que sou diferente desta pessoa? Sou, como diz Fernando Pessoa, apenas um “cadáver adiado?”

Penso que quando notamos nossa pequenez frente ao universo, quando pensamos que todas pessoas que por mais poderosas que foram, hoje são apenas ossos, matéria orgânica que retorna e se decompõe em milhares de moléculas.

A sensação de que algo te limita faz você pensar nas atitudes que vai tomar, faz realmente valer a máxima maior do mundo ocidental: amar aos outros como a ti mesmo.

Laanardi
Enviado por Laanardi em 06/05/2011
Código do texto: T2953109
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