Assim Que Eu Puder ...
Assim que eu puder, coloco o lixo lá fora !!!
Foi desse jeito que falei com a patroa. Afinal, quem manda lá em casa sou eu ... eu achava !!!
Complicado esse negócio de estar aposentado. O povo acha que o cara quando se aposenta, não tem mais nada prá fazer na vida. Afinal de contas, além de ser sábado, era o meu primeiro dia de aposentado.
Levantei naquela manhã, tentando desgrudar as pálpebras e, ainda sonolento, fui até à geladeira na vontade de beber aquele copão d’água. Coçando a cabeça, tentava lembrar o que tinha comido na noite anterior, que me trouxera tanta sede. Pensando bem, acho que foi aquele bolinho de bacalhau, servido na festa de despedida lá da repartição. Uns salgados incomíveis. E outra coisa ... serviram vinho argentino. Só podia ser brincadeira. Nem argentino aguenta beber aquilo !!!
Ao fechar a porta da engenhoca, me deparei com uma lista que, a princípio, sem óculos, não conseguia enxergar seu conteúdo. Mas, por intuição, identifiquei, nuns borrões, uma palavra bastante conhecida no topo da lista : o meu próprio nome.
Com as mãos trêmulas, desconfiado, mas, sem saber exatamente o que era, lembrei da lista de Schindler que trazia nomes de judeus destinados à morte durante a 2ª. guerra mundial. Imaginei logo que pudesse ser alguma coisa assim. Era desse jeito que eu me sentia.
Já andava encafifado com a patroa que tinha dispensado a empregada, afirmando que as crianças tinham crescido, casado e não precisava de alguém com tanta frequência prá ajudar em casa. No início, pensei logo na economia que isso ia dar e achei ótimo. Mas agora .... não sei não. Acho que vai sobrar algum prá mim. Só pode ser cilada. Tem um programa na televisão com esse nome e o cara só se mete em fria.
As minhas prioridades eram os óculos. Onde foi que eu meti os danados ...? Finalmente os encontrei, arranhados, debaixo de uma almofada usada pelo cachorro da casa !!! Quase dei um bico no peludo !!!
Com curiosidade, passei a mão na lista. Na verdade eram três e todas destinadas a mim. Estava tudo lá.
Precisei sentar para entender que estava mais perto do cadafalso do que jamais estive em toda a minha vida de desafios profissionais.
O rol de tarefas era imenso, desde pregar quadros, passar panos no chão, limpar fogão, etc ... e, para meu mais íntimo desespero, ... bater um bolo. Era só o que me faltava !!!
Com os papeis na mão fui até o quarto exigir explicações. Nem deu tempo. Minha mulher, com a maior serenidade, se mostrava orgulhosa por ter encontrado uma forma de ocupar o meu tempo com novas atividades. Naquele instante, lembrei do Meneghetti, meu professor de exclamações portuguesas, e, num lamento, sussurrei baixinho :
“- quem pediu isso prá ela” ?
Atônito, perplexo, absolutamente pasmo e fingindo que não tinha entendido, saio do quarto e resolvo ir à rua comprar o jornal. Antes, é claro, sem que ela visse, pego as três listas, rasgo, amasso e jogo no lixo. Mas, como num filme de Spilberg, ao voltar, dou de cara com as folhas de papel, grudadas na geladeira, absolutamente incólumes. Ela tinha cópia de tudo.
Percebi que não tinha saída. Comecei por arrumar a cama e os travesseiros. Ficou tudo, propositadamente, horroroso. Minha mulher, acompanhando de perto dizia que eu não devia me preocupar que no início era assim mesmo. Vai ser assim sempre, eu pensei !!!
Depois de horas de trabalhos forçados, sentindo-me um Kunta Kinté dos dias de hoje, pude finalmente tentar curtir meu primeiro dia de aposentado. Passei a mão novamente no jornal, acompanhado por um potinho de amendoins torrados, devidamente acomodado na mesinha de centro da sala. Mas, não conseguia me concentrar na leitura porque achava que tinha esquecido alguma coisa.
De repente, num lampejo, desesperado, lembrei o que era. Levantei rapidamente, abri a porta da rua e, em fuga, me mandei lá prá pracinha. Escondido entre as árvores, sentado, acomodado e com o jornal nas mãos, pude me concentrar na leitura, sem antes resmungar e balbuciar entres os dentes minha grande indignação: “ - Vou bater bolo porra nenhuma !!! ”
Foi desse jeito que falei com a patroa. Afinal, quem manda lá em casa sou eu ... eu achava !!!
Complicado esse negócio de estar aposentado. O povo acha que o cara quando se aposenta, não tem mais nada prá fazer na vida. Afinal de contas, além de ser sábado, era o meu primeiro dia de aposentado.
Levantei naquela manhã, tentando desgrudar as pálpebras e, ainda sonolento, fui até à geladeira na vontade de beber aquele copão d’água. Coçando a cabeça, tentava lembrar o que tinha comido na noite anterior, que me trouxera tanta sede. Pensando bem, acho que foi aquele bolinho de bacalhau, servido na festa de despedida lá da repartição. Uns salgados incomíveis. E outra coisa ... serviram vinho argentino. Só podia ser brincadeira. Nem argentino aguenta beber aquilo !!!
Ao fechar a porta da engenhoca, me deparei com uma lista que, a princípio, sem óculos, não conseguia enxergar seu conteúdo. Mas, por intuição, identifiquei, nuns borrões, uma palavra bastante conhecida no topo da lista : o meu próprio nome.
Com as mãos trêmulas, desconfiado, mas, sem saber exatamente o que era, lembrei da lista de Schindler que trazia nomes de judeus destinados à morte durante a 2ª. guerra mundial. Imaginei logo que pudesse ser alguma coisa assim. Era desse jeito que eu me sentia.
Já andava encafifado com a patroa que tinha dispensado a empregada, afirmando que as crianças tinham crescido, casado e não precisava de alguém com tanta frequência prá ajudar em casa. No início, pensei logo na economia que isso ia dar e achei ótimo. Mas agora .... não sei não. Acho que vai sobrar algum prá mim. Só pode ser cilada. Tem um programa na televisão com esse nome e o cara só se mete em fria.
As minhas prioridades eram os óculos. Onde foi que eu meti os danados ...? Finalmente os encontrei, arranhados, debaixo de uma almofada usada pelo cachorro da casa !!! Quase dei um bico no peludo !!!
Com curiosidade, passei a mão na lista. Na verdade eram três e todas destinadas a mim. Estava tudo lá.
Precisei sentar para entender que estava mais perto do cadafalso do que jamais estive em toda a minha vida de desafios profissionais.
O rol de tarefas era imenso, desde pregar quadros, passar panos no chão, limpar fogão, etc ... e, para meu mais íntimo desespero, ... bater um bolo. Era só o que me faltava !!!
Com os papeis na mão fui até o quarto exigir explicações. Nem deu tempo. Minha mulher, com a maior serenidade, se mostrava orgulhosa por ter encontrado uma forma de ocupar o meu tempo com novas atividades. Naquele instante, lembrei do Meneghetti, meu professor de exclamações portuguesas, e, num lamento, sussurrei baixinho :
“- quem pediu isso prá ela” ?
Atônito, perplexo, absolutamente pasmo e fingindo que não tinha entendido, saio do quarto e resolvo ir à rua comprar o jornal. Antes, é claro, sem que ela visse, pego as três listas, rasgo, amasso e jogo no lixo. Mas, como num filme de Spilberg, ao voltar, dou de cara com as folhas de papel, grudadas na geladeira, absolutamente incólumes. Ela tinha cópia de tudo.
Percebi que não tinha saída. Comecei por arrumar a cama e os travesseiros. Ficou tudo, propositadamente, horroroso. Minha mulher, acompanhando de perto dizia que eu não devia me preocupar que no início era assim mesmo. Vai ser assim sempre, eu pensei !!!
Depois de horas de trabalhos forçados, sentindo-me um Kunta Kinté dos dias de hoje, pude finalmente tentar curtir meu primeiro dia de aposentado. Passei a mão novamente no jornal, acompanhado por um potinho de amendoins torrados, devidamente acomodado na mesinha de centro da sala. Mas, não conseguia me concentrar na leitura porque achava que tinha esquecido alguma coisa.
De repente, num lampejo, desesperado, lembrei o que era. Levantei rapidamente, abri a porta da rua e, em fuga, me mandei lá prá pracinha. Escondido entre as árvores, sentado, acomodado e com o jornal nas mãos, pude me concentrar na leitura, sem antes resmungar e balbuciar entres os dentes minha grande indignação: “ - Vou bater bolo porra nenhuma !!! ”