Um Passinho pra Frente, Outro pra Trás
Sou carioca. Nasci no Rio. Quando dizemos que esta cidade é bonita, ninguém duvida. Sobretudo se olharmos de cima, do Corcovado, do Pão de Açúcar ou do avião. Quando dizemos que ela é maravilhosa, todos podemos ainda concordar. Sobretudo se considerarmos a hospitalidade dos cariocas, sua jocosidade, seu jeito de driblar as adversidades e seu compromisso com a cultura, apesar de esta última se encontrar muitas vezes fora do alcance dos menos afortunados.
Se descermos do avião ou do Corcovado e nos dirigirmos a localidades da chamada Zona Sul ou à Barra da Tijuca (Zona Oeste), tudo continua do mesmo tamanho. Mas se nos deslocarmos de carro ou de ônibus ao longo dos subúrbios da antiga Central do Brasil, vamos ver que nem tudo é tão bonito ou maravilhoso. Vamos nos deparar com ruas mal iluminadas, fachadas de casas ou prédios mal conservadas, lixo nas calçadas também sem conservação, bairros sombrios e a presença mais acentuada da insegurança, embora a cidade toda se sinta hoje insegura.
Fui criado no Méier (ou Lins de Vasconcellos). Aos sábados e domingos, a gente escolhia uma roupinha melhor e íamos pro Jardim do Méier andar atrás de uma moça bonita, bater papo perto do coreto (às vezes tinha uma bandinha por lá) ou curtir o teatrinho de fantoches na casinha que lá existia construída para esse fim. Isso depois de um bom filme nos cinemas em frente à estação (Paratodos, Mascote ou Bruni, depois Cine Méier) ou em outros no mesmo bairro (Imperator, Eskye ou Art Palácio) ou nas proximidades (Roulien, Todos os Santos, Cine Engenho de Dentro). Agora quase todos esses cinemas tornaram-se casas evangélicas, muitas vezes de objetivos duvidosos, o que dificultou ou inviabilizou acentuadamente o acesso do público à cultura. Aliás, mesmo nessa época não havia teatro no Méier. Tínhamos que ir à “cidade” (ao centro) se quiséssemos assistir a alguma peça.
Mas havia um (pelo menos) em Madureira: o Teatro de Revista Madureira, depois chamado de Teatro Zaquia Jorge, em homenagem à sua proprietária, a atriz Zaquia Jorge, desaparecida tragicamente num banho de mar na Barra da Tijuca em 22/04/1957.
E hoje, o que é Madureira? Talvez seja ainda um dos bairros onde é maior a arrecadação de ICM, pela presença de um intenso comércio garantido por uma infinidade de lojas. Mas é também um bairro onde encontramos ruas mal iluminadas, lixo e entulho sobre as calçadas, lojas com fachadas mal conservadas, confundindo-se às vezes com uma cracolândia, denominação que agora se usa para uma localidade na Serrinha, morro encontrado na área e berço de uma das nossas mais tradicionais Escolas de Samba, o Império Serrano.
Isso tudo sem falar que quando íamos ao Jardim do Méier, voltávamos às 22h (horário limite estabelecido por nossos pais) ou às 23h30. Hoje a circulação pelas ruas do bairro, como em todos ao longo da Central, desaparece por volta das 20h. As pessoas enfurnam-se nos shoppings, onde é maior a segurança e há alguns cinemas, além da Praça de Alimentação.
Comemoramos agora no Rio o reconhecimento oficial da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Obviamente com a crítica da igreja católica (e possivelmente de outras também) que insiste em não aceitar aquilo que só não quer enxergar os que se impedem de ver. E cínica ou hipocritamente deixam de apontar as mazelas cometidas por padres pedófilos muitas vezes contra jovens ou crianças inocentes que, a par dos instintos naturais, nada entendem de sexo.
Então no Rio, como de resto no mundo todo, por um lado caminha-se pra frente. Por outro voltamos atrás.
Mas não é por isso que vamos deixar de amar a nossa cidade. A seu modo ela continua bela. E particularmente nunca me sentiria bem em renegar o lugar em que nasci e me criei. O valor que ela tem, ainda que não a tratemos bem, nunca deixará de ser reconhecido.