Vale a festa!
Gilberto Freyre falava que o clima tropical contribuía para a preguiça. Renato Russo cantava sobre a velha preguiça latina. Sim, somos culturalmente preguiçosos. Somos festeiros. Alegres. E não só cultural, mas também naturalmente preguiçosos. Cortejamos a vadiagem. O ficar à toa. Ficar na boa. Como canta uma das medusas urbanas, "ficar de bobeira".
O trabalho é sacrifício. Ainda que seja para nós mesmos. Já viu a dificuldade que temos de, debaixo de sol, enfrentarmos mais um dia de trabalho? Sol de 40 graus da cidade de São Sebastião! Mas, paradoxalmente, final de semana passado o sambódromo estava lotado. Pessoas de diversas partes desta cidade maravilhosa, vieram sambar e trabalhar para festejar o ensaio técnico das escolas de samba. "Pela Mangueira vale o sacrifício!". Dizia um eufórico pai de família que reclama todo dia quando sai para trabalhar.
O sr. V, porteiro do prédio onde moro, foi promovido a chefe da portaria. Nunca mais ajudou nenhum morador com as compras, mas, logo ordena que o zelador vá em auxílio dos moradores. O chefe da portaria não é para fazer estas coisas. Isto é trabalho de zelador. O sr. V foi ao sambódromo. E orgulhosamente mostrava-nos uma foto que tirara dele empurrando um dos carros alegóricos da Salgueiro, no carnaval passado. No trabalho, o sr. V é chefe dos porteiros, mas na vadiagem transmuta-se em qualquer coisa. Vale a festa!
Não é de estranhar que a América trabalha, a Europa estuda, a África auto-aniquila-se, o Oriente cria e destrói religiões, a Ásia exporta eletrônicos e ditaduras e a América Latina vadia. O Brasil reclama. Reclama do trabalho dos norte-americanos, da intelectualidade européia, da pobreza africana, do fundamentalismo religioso do oriente, dos produtos chineses e seus ditadores. Acostumamos tanto com a vadiagem que apenas aprendemos a reclamar dos nossos contrários. Assim escondemos nossas mazelas e nossa culpa.
Mas, e daí? Há quem pense que somos o super-homem nietzscheano! Nossa cultura apenas reflete a construção possível da ociosidade tão comum às nossas entranhas. Deixemos que os norte-americanos conquistem o mundo! Deixemos que a Europa masturbe-se intelectualmente com as falácias de Marx, Engels, Sartre, Voltaire...! Deixemos que a África com seus ditadores genocidas aniquele-se! Deixemos que judeus e árabes matem-se uns aos outros! Deixemos os contrabandistas da Uruguaiana faturar uma grana com os produtos de quinta categoria da terra de Mao! Deixemos estas preocupações terceiras de lado. Isto é problema dos norte-americanos. Somos tupiniquins! Somos brasileiros! E eu sei lá o que isto quer dizer? Vale a festa!