Cansaço

a Carlos Drummond de Andrade

As vezes vem aquele cansaço urbano. Cansaço dos que são de natureza oposta. Não-burguesa. Mas que delicia-se com os petiscos burgueses. Como ser não-burguês e burguês ao mesmo tempo? Há um meio termo? Como cançar das asneiras marxistas e enamorar-se da vida vadia? Da vida vadia do Rio de Janeiro. O perambular a esmo pelas suas ruas lindas e movimentadas do belo Flamengo. Cansaço que vem de ver as diversas pernas que vão e vem; num frenesi eterno. Pernas diversas e vontades diversas. Perdem-se pela imensidão das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Quisera eu ser um nativo da pequena Itabira. Talvez assim; seria poeta. Sim; seria poeta. Como aquele Carlos. Um funcionário público qualquer da grande cidade maravilhosa. Que deixou sua cidade para ser poeta. Carlos era de Itabira. Uma cidade de ferro. Ele era de ferro. Ele era triste. Triste como Itabira. Mas era poeta. Que um dia deparou-se com uma pedra em seu caminho.

As vezes vem aquele cansaço urbano. Que de tanto andar por um caminho esbarra-se na fadiga das letras. Das regras despóticas. Das normas cultas. Tinha tanto para dizer; mas e as rimas? E as métricas? E esse teclado que não tem vírgulas? É melhor ser revolucionário. Abandonar as rimas! Abandonar os versos bem feitos! Os sonetos! Os tercetos! Pro diabo a língua de Camões! Viva a não acentuação de Lobato! Viva as não vírgulas de Carlos! Mas para ser poeta tem que ter ritmo. Ritmo nas letras. Mas isso eu não tenho mais não... Nem Carlos tem mais não...

É no cansaço que vemos a força do poeta. Do poeta de Itabira. Quando estava triste saia as suas mais alegres poesias. Quando estava com saudades saia as suas mais elegias sobre a cidade de São Sebastião. Quando estava solitário que sentia mais a necessidade de mulher. Adalgisa! Vai; Carlos; se gauche na vida!

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 19/11/2006
Código do texto: T295225
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