Nunca é Tarde

Sentada à janela, uma brisa leve acaricia-lhe o rosto cansado. As marcas deixadas pelo tempo dão mostras de que um longo período decorreu. A imaginação a transporta para algum lugar, onde outrora fervilhavam sonhos, e o viço abundante da juventude ditava regras imprevisíveis, na simples tradução de que tudo era possível. Agora, esses sonhos foram trocados por imagens de uma realidade inesperada. A vida parece escoar-lhe pelas mãos. A audição não é mais a mesma. Os entes estão ao seu redor ... nada lhe falta mas, recebe apenas minguadas demonstrações de amor e carinho. O mundo tornou-se injusto, ela pensa !!! Os filhos cresceram, casaram ... têm agora sua própria família e não podem dedicar tempo à uma idosa que ocupa um espaço que já não lhe parece pertencer. Hoje, ela entende que talvez pudesse ter sido diferente. Achava, à época, que tinha que realizar conquistas ambiciosas e manter a força familiar pelas rédeas do dinheiro, que agora, como se fora uma vingança, não a deixava usufruir dele, pois a vida lhe parece inócua e sem sentido. Seu marido lhe dissera que poderia acabar passando por tudo isso e que ela deveria se esforçar para mudar. Agora, movida por lembranças, percebe que deveria ter sido mais afetiva e tentado ouvir as confidências dos filhos. Nunca teve tempo prá nada, sempre envolvida com coisas que pudessem gerar riquezas. Talvez, sussurra para si, Deus pudesse perdoá-la. Mas, ela mesma sabe que nunca quis conhecer Deus e tem certeza de que Ele não a conhece. Uma bíblia na cabeceira mantém a lembrança viva do antigo companheiro que a lia e relia durante tanto tempo e todos os dias. Ele vivia falando de salvação. Não lhe dava ouvidos. Achava que ele se tornara um fanático religioso. Ela não acreditava em qualquer coisa que não fosse palpável e tangível. Agora, percebe que muito do que ele dizia fazia sentido. Sente-se absolutamente só. Tenta folhear esse mesmo evangelho e se depara com palavras intrigantes que insistem em falar de salvação. Começa a dedicar longo tempo a essa leitura desafiadora. Se depara com o “Sermão da Montanha” e, enxugando duas lágrimas, entende que este livro poderia ter sido seu guia de vida o tempo todo. Seu falecido marido tinha razão ... estava tudo alí, desde o início, ... o “Livro da Vida”. Acredita que ainda há tempo. Sabe que, apesar da evidente frieza, seus filhos estão sempre por perto. Os netos são um novo grande objetivo de conquistas ... agora espirituais. Não sabe ainda como fazê-lo mas, percebe o grande trabalho que tem pela frente. Fecha os olhos e realiza sua primeira conversa com Deus. A vida já não lhe parece tão vazia assim ! Uma música, vinda de uma igreja vizinha, parece responder suas perguntas. Tenta aguçar seus cansados ouvidos e, nitidamente, compreende a Graça que Deus acabara de lhe conceder. A melodia, distante mas clara e insistente, dizia assim : “... Segura na mão de Deus ...”. Com emoção, movida pelo Espírito Santo, ela compreende o chamamento. Sente-se forte. Passa a mão no livro, senta ao lado de um dos netos e começa a falar sobre a salvação, com tal intimidade, como se dela tivesse conhecimento a vida inteira, absolutamente inspirada e envolvida pelo maravilhoso trabalho que Deus acabara de colocar em suas mãos.

Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 05/05/2011
Reeditado em 26/05/2011
Código do texto: T2951929