Mona Lisa
 
De frente para o espelho, riscos de expressão denunciam instantes solitários.
A mente, num momento singular, reporta-me à imagens antigas ... figuras marcantes, que, agora, em lapsos de lembranças, acabam renascendo e teimam em eternizarem-se, tatuadas que são, na epiderme da minha alma.
Um desses rostos que, de alguma forma, acabou grudado em meus pobres neurônios foi o da imagem do famoso quadro de Da Vinci ... Mona Lisa.
Desde menino, quando a descobri, percebi que a graça e o viço, estampados naquele rosto, estabeleciam comigo uma ligação muito pessoal. Seu sorriso era diferente !!!
Rabiscos, tentando simular aquele gesto viviam e sobreviviam em cadernos espalhados, por um apertado cômodo da pequena casa onde morava.
Eu fui crescendo, trazendo aquela imagem comigo, intimamente, como se fora a prenda mais querida.
E, de repente, ao somar mais um punhado de anos, vi-me na idade da razão e tratei de tudo isso como bobagens ... ciladas de paixões adolescentes ... resolvi esquecê-la.
Passados muito mais anos, andarilhando pelo velho continente, deparo-me com Paris, palco de tantas paixões !!!
O coração denuncia-me, estranhamente !!! O que estava adormecido, num segundo, voltou !!!
Tive sensações antigas ao ler uma placa que indicava o Louvre, lugar que ela mora há tantos anos, pensei !!! Nunca estive tão perto !!!
Separo-me do grupo...precisava vê-la. Não posso esperar !!! Pego o metrô, e, desequilibradamente, corro a um encontro que parecia ter sido marcado há muito tempo ... eu não lembrava quando.
Um mundo de setas indicavam seus aposentos ... muitas escadas ... mais setas.
Na ante-sala, um perfume imaginário ... percebo que ela está por perto ... meu coração, prestes a explodir !!! Penso em ir embora ... chego a fazer movimentos descompassados e confusos buscando a saída mas ... eu tinha que entrar.
Lá estava ela ... olhar fixos nos meus ... não havia mais ninguém por perto ... eu não enxergava a multidão.
Alguém dizia que não poderia ultrapassar o cordão. Eu não oferecia perigo ... o guarda percebeu.
Cheguei bem perto e, numa troca de olhares, ela entendeu tudo sobre o meu antigo amor ... de alguma forma ela já sabia.
Pareceu sorrir-me de um jeito diferente. Pessoas acotovelavam-se ... percebi, naquele momento, que ela não poderia ser minha ....eram tantos amores ... !!!
Me conformo e conforto na sensação de que é tudo bobagem mesmo, criada pela nostálgica cabeça de um velho menino solitário e cheio de imaginações.
Alí mesmo resolvo que vou esquecer tudo ... agora de verdade!!!
Tomo o caminho da saída ... de longe, uma última olhada, numa despedida que eu sentia ser definitiva ... Pareceu-me haver sinais de tristeza em seu rosto !!!
 
Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 05/05/2011
Reeditado em 15/09/2011
Código do texto: T2951360