Núpcias de papel
Estava impedido de casar. Morava no extremo sul do Brasil e havia desembarcado a bordo da sua mãe em Natal, Rio Grande do Norte. No Cartório de Registro Civil o homenzinho observava aquela certidão de nascimento. Inválida. Carrega três papéis com ele. Ele estava ali vivinho diante do tabelião. E os três papéis davam sinais plenos da sua existência. Todos os três papéis inválidos para casamento.
- O senhor precisa solicitar ao cartório de lá a nova certidão de nascimento. Válida apenas por sessenta dias.
Para casar é preciso provar que existimos. Duas vezes, três vezes graças ao prazo de validade. Em sessenta dias muita coisa pode acontecer. O tabelião rugiu. Achava certo, certíssimo. O senhor pode ter sido casado noutra comarca. Em Manaus, ter mulher em Belo Horizonte e outra em Ilhéus. Do modo como aufere o tabelião sobre a inexistência alheia deve mesmo concluir que está certíssimo. Já havia solicitado uma vez, porém transcorreram sessenta dias. Tempo para remir dívida, alguns mortos e outras dificuldades. Quando percebiam o prazo havia expirado. Solicitou novamente. Passou a colecionar papéis que diziam que ele existia.
Solicitou novamente. Passou a colecionar papéis que diziam que ele existia. Uma viagem de negócios ao Caribe e pronto. Sua certidão de nascimento não valia mais. Agora tinha muitos papéis que provavam e não provavam que era um ser vivo. Presente no cartório em carne e osso... Querendo apenas se casar. Mas nenhum deles servia. Pensou em pedir a Presidente da República em casamento. Talvez fosse fácil casar, se ela aceitasse. Ela pelo menos não duvidaria da sua existência. Provar dez vezes que nasceu deixa qualquer um louco. Talvez fosse melhor viver assim. Sem cartório nem casamento. Sentia pena de Glorinha. Sem casamento não teria direito a folga no serviço.
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