imagem: soalagoas.info

Esperando um milagre

Anjos das ruas
anjos que não podem sonhar
pois a calçada é um berço
onde não sabem se vão acordar
                               Anjos das ruas- Eduardo Faro

 
             Não tinha nada nas mãos e sobre o corpo, andrajos malcheirosos que pareciam colados a ele há vários dias. Ironicamente, os dizeres da camiseta esfarrapada afirmava: NO CRAZY.
            Certamente não era. Parou do lado do cobrador e deu uma olhada panorâmica nos passageiros, todos sentados, atentos ou absortos em suas vidas, seus mundos.
Diferentes dos tantos que assim o fazem não deu aquele “Bom dia pessoal” recebido com indiferença por muitos, susto, nojo ou enfado por outros tantos. Respirou fundo e soltou o vozeirão: “Como Zaqueu eu quero subir/O mais alto que eu puder/Só pra Te ver, olhar para Ti/E chamar Sua atenção para mim...”
            Olhei em volta e percebi o espanto de alguns, o riso disfarçado de outros... “Eu preciso de Ti Senhor/Eu preciso de Ti, oh Pai/Sou pequeno demais/Me dá Tua paz/Largo tudo pra Te seguir.”
           Em mim, um nó na garganta. O olhar famélico e desesperado daquele adolescente que devia ter pouco mais que os catorze anos de meu filho- que àquela hora estava na escola, onde deveria estar meninos da idade dele - fez doer meu coração, naquela manhã chuvosa. Visivelmente era mais um “anjo da rua”, um sem-nada, talvez mais uma vítima da famigerada droga, que aos poucos extermina seus usuários.
“Entra na minha casa/Entra na minha vida/Mexe com minha estrutura/Sara todas as feridas/ Me ensina a ter santidade/Quero amar somente a Ti/Porque o senhor é o meu bem maior/Faz um milagre em mim.”*
        E eu desejei que o milagre pedido fosse a possibilidade desse menino estar na escola e logo após num estágio de meio período ou num centro cultural, fazendo um esporte, fazendo arte, convivendo com gente da idade dele, aproveitando aquele dom maravilhoso que era a sua voz.
       Perguntou desafiador: - Gostaram da minha voz? E emendou:- “tou” pedindo uma ajuda prá comer... Não como nada desde ontem...
       Acenei e lhe estendi um dinheiro para o lanche. Não gosto nem costumo dar “esmolas”, mas a fome estampada naquele rosto me doía mais que a ideia de não ser “politicamente correta”. Enquanto lhe passava o dinheiro disse-lhe: - Gostei muito da sua voz. Parabéns!
      Agradeceu, recolheu aqui e ali mais algum e desceu na próxima parada. Dias depois, noutra agora ensolarada manhã, encontrei-o na praia falando algo ao rapaz do carrinho de salada de frutas. Enquanto o homem lhe servia um copo, observou que eu olhava a cena e me sorriu. Imaginei se tinha me reconhecido e sorri de volta.
     Andando pelas ruas de Maceió e vendo tantas crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade, fico torcendo pelo milagre das políticas públicas para a infância e a juventude, um dia funcionarem, por aqui.
 
*A música Como Zaqueu deve ser um hino. Pesquisei no São Google e a composição é de Ângela de Jesus Oliveira.