Procura-se uma amiga
Procura-se uma amiga
Uma amiga que conheça Alexandre. Seria legal. E poderíamos falar sobre nada e depois de duas conversas a conclusão comum é que esse nada foi muito mais importante e significativo que as ilusões das importâncias vazias das coisas de antes, quando desconhecíamos nós, nosso refrangente nada e o poeta Alexandre.
Sendo assim esta amizade inaugura.
Procura-se uma amiga que me diga que a amizade é um sorriso e um olhar limpo. Como escreveu Alexandre. Podemos tomar café num lugar sossegado. Vejo-a trazendo um livro debaixo do braço e novidades loucas para saírem ventando: acabo de ver uma paineira em flor, numa ilha de grama, em meio a ônibus e caminhões. E no caminho havia um cão sem coleira que parecia sorrir de propósito e depois, perto de uma casa abandonada, um gato dormindo atrás de arbustos mais abandonados ainda.
Alexandre escreveu que amizade é uma casa modesta que se oferece.
Pedimos dois cafés, ela admite prestar atenção à luz do outono, comenta o assunto do momento – Barak&Laden e escarnece com uma citação: “Eis a melancólica verdade – até grandes homens tem primos pobres”.
Eu lhe digo como escreveu o poeta Alexandre, que amigo é o contrário de inimigo. Ela, que conhece o texto do grande Alexandre, emenda que amigo é o erro corrigido.
Estamos num local sossegado, poucos automóveis, árvores próximas, ninguém pergunta as horas.
Ela comenta que pareço com alguém cujo nome, de momento, não se recorda. Então cora. Inspirado que fico, mediante esta amizade inspirada em nada, quiçá em palavras, oxalá em palavras, cito: “O homem é o único animal que cora, ou que precisa corar”.
Ela observa que Alexandre, o poeta, dizia que a amizade é a verdade praticada. Eu vou na esteira e coloco o que vem depois, que amizade é a solidão derrotada.
O outono carrega consigo um tom róseo particular nos minutos que precedem o poente.
Ela, enquanto mexe o café, filosofa que utilizei a palavra “mediante” e não “através”. Filosofo que através indica espaço físico e mediante define o modo.
Soa feito harpa o ruminar do poente.
Por fim ponderamos que Alexandre morreu e em seguida decidimos que quem assim escreve jamais morre. Como as palavras.
“Amigo é uma grande tarefa”, sibilou ela.
“Um trabalho sem fim”, disse eu, tendo a cautela de inserir as aspas.
(Imagem: Bird of Bule - artista desconhecido)