Alguma prosa

Todo estudante... Desculpem-me, acho que quando utilizamos a palavra todo, temos grande chance de mentir. A generalização é irmã da precipitação. Entende? É melhor ficarmos com a maioria. Porque apenas refere-se a maior parte do grupo em questão. Ainda que o termo todo seja a verdade, mas é uma verdade que precisa de mais argumentos para convencer um número considerável de pessoas. Até porque, se num grupo de cem pessoas, 99 pensam A e 1 pensa B, não poderia dizer que todos pensam A. Daí que eu disse acima sobre precipitação. Sim, a maioria das pessoas que são seduzidas pela generalização costumam utilizar 99 por cento da palavra todo em seus textos. Também dizem que as pessoas gostam de utilizar números estatísticos para convencimento.

Desculpem-me se utilizei aqueles números acima, sim, quero convencê-los, mas não com os números, mas com as letras. Eu sei que Wittgenstein disse que a linguagem é ilusória. Disse que a inteligência é o acúmulo de linguagem e não de sabedoria em si. Por exemplo, um filósofo não tem sabedoria em si, mas acumula uma grande quantidade de termos linguísticos. Esse domínio linguístico particular ao seu tema de estudo faz ele parecer sábio. Interessante que o jovem Ludwig escreveu dois pequenos livros para revolucionar todo o pensamento filosófico. O próprio Bertrand Russel disse que Ludwig parecia um idiota, mas, certamente, que não era.

Bem, com Ludwig ou sem Ludwig, queria apenas dizer que a maioria dos estudantes de filosofia pensam ter sabedoria em si, mas o que eles realmente tem é o acúmulo e domínio de uma linguagem específica.

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Fernando Pessoa aconselhou que não deveríamos falar sobre Deus. Porque assim estaríamos pecando. Deveríamos ser como as árvores. Indiferentes a presença divina. Seríamos mais felizes, talvez. O verão nos alimentaria com suas chuvas torrenciais. O outono nos pintaria uma imagem melancólica. A primavera nos traria de volta a felicidade e a esperança. O inverno nos deixaria meditativo e depressivo, mas jamais cometeríamos heresias.

O homem preferiu ser homem. Preferiu questionar. Preferiu definir Deus. Então pecou. Surgiram as diversas heresias. Surgiram as fogueiras. Se escreveram livros e depois queimaram os mesmos livros. Surgiram guerras. Surgiram inimizades. Ódio. Surgiram protestantes. Surgiram Batistas, Presbiterianos, Congregacionais, etc. Interpretações. Inquietações. Discussões. Dúvidas. Incertezas em qualquer estação.

Agora não tem mais volta. Porque a volta significaria covardia. E uma coisa que o homem aprendeu em sua trajetória foi a paixão.

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Estava outro dia no Leblon. Já tinha me esquecido que o bairro de Ruy Castro era tão lindo. Bem, qualquer um dia diria que sou idiota, pois "Leblon é lindo" é pura redundância.

Uma vez encontrei o autor de "Ela é carioca" na Travessa. Bela livraria. Templo do saber. Os vermelhos diriam: templo do consumo! Que seja, vamos consumir as letras!

Havia uma multidão o cercando. Um velhinho disse: "Eis o mineiro mais carioca!" Aquilo foi um tiro em meu peito Tamoio. "Ruy era mineiro? Não podia ser!" "Será que ele sempre foi mineiro? Ou só quando chegou ao Rio?" "Já tínhamos um bahiano carioca e agora um mineiro carioca?"

Depois, Ruy foi levado para a parte de cima da livraria. Ali ele iria palestrar sobre seu último livro. Mas antes de começar a palestra, como a resgatar uma alma perdida, começou falando maravilhas utilizando palavras apaixonantes sobre a cidade de São Sebastião. Naquele momento senti-me resgatado de meu caos perplexo particular. Foi quando percebi um senhor com os olhos molhados de emoção. Uma senhora cutucou-me e disse: "Ele é lá de Pernambuco".

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 18/11/2006
Código do texto: T294909
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