A solidão divina

Dizem que quando pensamos em amor, pensamos em Deus. Atualmente não temos pensado nem um nem outro. Nem o amor e nem Deus têm sido objeto de nossos pensamentos. Mas também dizem que aqueles que estão sofrendo dor, angústia, solidão, estas mazelas da alma, pensam constantemente em Deus. Então elas estão carentes de amor. E aqueles que têm amor não pensam em Deus, porque Deus está sempre ali presente. Só sentimos a presença de algo ou de alguém quando este ou ele se ausenta. Pois a ausência daquilo que nos enleva em amor é a própria presença divina. O que temos que é justamente a presença divina? Para esta questão haverá, certamente, diversas respostas. Mas a resposta não importa para a coletividade, mas para a individualidade.

Os ateus são aqueles que são carentes ao extremo. Carentes da presença divina. Eles estão entregues ao âmago das mazelas humanas. Mas não haveria mazelas aos crentes? Sim, há. Mas tais mazelas da alma são afagadas e afogadas pela presença tenebrosa de Deus. Quando o crente prova as mazelas da alma é como uma tristeza gostosa, uma dor prazerosa; porque Deus está presente e sente junto com sua criação suas dores. Chorar com os que choram, alegrar-se com os que alegram-se, beber como os que bebem, viver com os que vivem, morrer com os que morrem. As mazelas do crente é mazela com Deus. As mazelas do ateu é mazela solitária. E como dizia um poeta de nossa terra: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão". Solidão é ser um em um. É não ter o outro como espelho. É o um absoluto. É quase ser Deus. E ser como Deus, mas não ser Deus é o grande mal dos séculos.

No caminho para casa vi uma bicicleta que conduzia uma família. O pai, a filha e o filho. Uma outra bicicleta que conduzia o restante desta família. A mãe e um neném. Caminhavam para um encontro. Encontro dominical. Tradição. Porque há mais de dois mil anos realizamos este encontro. O encontro dos que crêem com o Um absoluto. O encontro da humanidade com a solidão terrível. Dos homenzinhos com o Tenebroso. E lá fazem uma festa. Cantorias. Leituras. Orações. Glorificações. Agradecimentos. É um momento mágico ao Grande Ser. Ele espera sempre ansioso o domingo. Deseja ver as crianças, as mulheres, os homens. Deseja ouvir as palavras, as cantorias, a pregação, as mãos dadas como uma grande utopia, os choros, os risos, as gargalhadas, os abraços. Utopia realizada num domingo qualquer. Deseja que sintamos o que Ele sente, mas impossível. As dores de Deus são só dele. As dores de Deus são as dores da solidão eterna. Então desiste e prefere sentir nossas dores. E transforma-se em homem. Todo domingo torna-se homem para sentir em suas entranhas a vida.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 18/11/2006
Código do texto: T294906
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