PARADOXOS PARALELOS

Em algumas culturas os sentidos são bem valorizados. Em uma região da Índia, por exemplo, a festa de colheita nas vinhas fica evidenciada essa valoração quando todo um ritual é preparado para a introdução dos sentidos ao vinho, os olhos contemplam, as mãos tocam as taças, o olfato lhes retira o buquê e antes que seja levado à degustação a audição deve participar, daí criou-se a tradição do brinde, tim-tim. Já aqui os sentidos são quase obsoletos: O paladar existe, mas tudo que é gostoso faz mal ou engorda. O olfato nunca elogia só se “toca” quando algo não cheira bem, os olhos contemplam a beleza, mas o desejo é pecaminoso. Nem tudo que é pronunciado eu posso ouvir, e tatear sem ser deficiente visual é bolinação.

Tantas perguntas ficam sem resposta, tantas respostas são dadas sem que se pergunte, falei tanto pra uns, escutei pouco de tantos. O ressentimento só aumenta o prazo do meu sofrimento, e o alcance de quem me fere. O coração bate mais forte por regozijo momentâneo e pode parar por pelo mesmo motivo, o grão que alimenta pode engasgar, o ar que me dá a vida também traz o edema e o alimento saboroso o condimento cancerígeno. Ampliei meu círculo de relacionamento e diminui a quantidade de amigos, tenho um belo relógio e menos tempo, tenho bons médicos e menos saúde. De modo geral a contradição encontra-se com a incoerência em cada esquina. Temos sinônimos de mais e palavras de menos, os neologismos migraram das academias literárias para as mesas de bar. Hoje se constrói edifícios maiores com menor responsabilidade. Temos leis mais amplas e pontos de vista mais estreitos. Julgamos e condenamos com a rapidez do comercial de TV. Estudamos mais e aprendemos menos. Lemos mais, nos aculturamos mais, explicamos menos e informamos menos. Construímos casas reforçadas e concretas para famílias frágeis e esfaceladas. Temos mais dinheiro e menos desfrute, grande conhecimento e nenhuma moral, mais opções e menos escolhas, pressa de ir embora, pressa de chegar, pressa de voltar e pressa de sair de novo para não chegar a lugar algum. Embriagamo-nos demais, gastamos demais, damos crédito demais às maledicências ampliadas no boca a boca e raramente tomamos partido, elogiamos e oramos. Multiplicamos nossos numerários na contramão dos nossos valores, usamos os fins para justificar os meios. Falamos demais, ouvimos de menos e odiamos com muita freqüência.

Não precisaríamos aprender a ganhar a vida, isso nós já conseguimos, só deveríamos aprender lidar com sua manutenção. Temos anos de vida, e não colocamos vida em nossos anos. Viajamos a lugares distantes que nem lembramos, mas temos dificuldades em ir até o vizinho. Esquecemos que recipiente puro não é o que sofre assepsia, mas o que não se deixa contaminar. Fazemos muitos planos, mas não realizamos quase nada. Temos técnicas para limpar o ar, mas poluímos a alma. Quebramos a barreira do som e não conseguimos quebrar a do preconceito. Aumentamos a produção de alimentos e as estatísticas de miséria. Temos mais comida e menor qualidade de vida. Inventamos aparelhos para falar mais, sem conseguir um padrão de entendimento.

Vivemos em dias de corpos “sarados” e espíritos doentes, dias de utensílios descartáveis e amizades também. Casamentos rápidos, comidas expressa, trem bala, “transas” de uma noite e pílulas para o dia seguinte. Drogas mais viris e varões sem potência. Nos primórdios matávamos para viver, hoje vivemos para matar.

São absurdos, paradoxos, mas acima de tudo, infelizmente um retrato denunciado de nossa conduta, quem me lê neste momento, talvez concorde comigo em tons de cinza e sinta que a carapuça não está totalmente ajustada, mas concorda que alguém que conhece age desta forma, é usual sem ser proposital e é isso que faz com que nos isolemos mais e mais.

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 04/05/2011
Código do texto: T2948938
Classificação de conteúdo: seguro