A Ponte, claro, precisa ser demolida
A PONTE, CLARO, PRECISA SER DEMOLIDA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.05.11)
É evidente que, ao falar em Ponte com inicial maiúscula, todo mundo sabe do que se trata. Ponte com maiúscula só existe uma: a Hercílio Luz, nome cedido pelo governador que iniciou sua construção em 1922, o mesmo homem que decretou a mudança do nome da cidade, em 1894, de Nossa Senhora do Desterro (a fuga da sagrada família para o Egito, lembram?) para Florianópolis (o ditador da época, Marechal Floriano Peixoto, sacam?), quando também governava o Estado.
Há incontáveis razões para demolir a Ponte. Tantas que, se enumeradas numa lista sem os detalhes e fundamentos de cada razão, este espaço já será amplamente insuficiente.
Lógico que, se for o caso de o Redentor sofrer gravíssimo estiramento na coxa com ruptura de estruturas musculares ou violenta torção que rompa os ligamentos do joelho, a solução sempre será o uso de muletas, andadores e muito repouso até que o Cristo do Corcovado recupere plenamente sua forma física para retomar a rotina incansável das suas tarefas, que são da mais elevada importância para a cidade do Rio de Janeiro e, por que não dizer? (sempre quis usar essa expressão tão do gosto dos nossos letrados políticos), para todo o Brasil.
A demolição da Ponte permitirá a construção de outra, mais moderna e funcional, rente ao mar e com oito pistas de rolamento, duas para sair da Ilha e seis para nela entrar, num convite explícito a turistas e seus carros. E também a forasteiros de toda espécie, intenção e bandeira. A novíssima ponte aproveitará com escassas adaptações boa parte das fundações da velha Ponte. Antes de fechado o derradeiro vão da nova travessia, e porque a ponte será muito baixa por pragmatismo e economia, serão convocados todos os barcos, iates, escunas e veleiros para que decidam de que lado, afinal, desejam viver o resto de suas vidas, se na Baía Norte ou na Baía Sul.
Óbvio que o ideal seria um vigoroso aterro que suprimisse aquela estreita língua de mar que insiste em separar a Ilha do resto do mundo, mas isso é bastante difícil de construir com a tecnologia hoje disponível devido à profundidade insana do canal e às violentas e traiçoeiras correntes marinhas que por ali teimam em circular.
Às favas, pois, em nome do bom senso, o argumento romântico, pueril e saudosista de poetas, prosadores, artistas e encrenqueiros de todos os naipes que afirma ser a Ponte a ligação simbólica e literal entre todos os catarinenses. Isso já não encontra espaço saudável nos dias de hoje!
Demolida e substituída a Ponte para o bem geral, o próximo passo será transformar Avaí e Figueirense em franquias de times de futebol do Rio, São Paulo ou Rio Grande do Sul. Em seguida, antes da ocupação plena dos espaços correspondentes, será contratada a ONG www.oldcatcult.org (A Velha Cultura Catarinense) para a elaboração de esculturas de grupos de pescadores artesanais e rendeiras de bilro, a serem espalhadas por diversos pontos do litoral do Estado em homenagem às extintas atividades artesanais que existiram onde então estarão aterros, avenidas e arranha-céus; para a criação de estátuas de araucárias, em tamanho natural, a serem plantadas nos locais de onde subsidiárias ou sucessoras da grande Lumber Co. terão erradicado os derradeiros pinheiros, símbolos privativos do Paraná, que se tornará o habitat único da espécie; e para escrever, cantar e pintar o gato como símbolo do Estado, que terá suas cores e bandeira escolhidas em plebiscito exclusivo para turistas e forasteiros.
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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.
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Livro "Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo" (teatro) foi lançado dia 29 de abril de 2011 na Barca dos Livros, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, com leitura dramática da obra por alunos do CEART/UDESC e Encontro com o Autor. A noite e o local estavam maravilhosos e acolhedores.