SOBRE O CINZA E OUTRAS CORES
Van Gogh era o profeta do amarelo. Picasso teve a sua fase azul. Há pessoas que adoram o vermelho. Outros veem no verde a cor da esperança. Não sou digno de Van Gogh nem de Picasso. Mas tenho também a minha preferência quando o assunto é cor. Contrariando toda a confraria, confesso que morro de amores pelo cinza. Às vezes, o cinza das queimadas, o cinza das longas tardes tristes. Mas também o cinza que ornamenta o leito da Fênix, que renasce, poderosa e imortal, para cobrar sua glória.
Minha preferência acende, com o perdão do trocadilho, o sinal amarelo da psicologia. Associada à depressão, tristeza e reflexão, o cinza é considerado a cor da dúvida, do meio termo. Medida exata entre o preto e o branco, entre o tudo e o nada. É onde gosto de, confortavelmente, me instalar, onde meu coração finca suas barracas e ali, observa a paisagem, sem o rompante dos vermelhos e sem a inércia dos brancos.
Para os japoneses, o cinza é associado ao veneno, assim como o branco à solidão e o azul à enchente. Trágicos estes japoneses! Fiquemos então com a cultura ocidental e sua versão sobre as cores. O cinza representa elegância, humildade, respeito, reverência e sutileza. Parecem-me bons atributos. Não poderia desejar características mais nobres para a minha cor. Especialmente a sutileza. Sou discípulo fervoroso de quem sabe ser sutil em qualquer empreitada. A poesia é a mãe das sutilezas: é dizer de forma bela algo simples que em outro termo seria mais uma banalidade.
Talvez o vermelho seja a vedete das cores. Cortejado por guerreiros e amantes, o vermelho é a cor da luta, da paixão, da explosão. Símbolo do Império Romano, do Nazismo e do Comunismo, é o sangue que palpita, o sangue pronto a ser imolado. Acho simpático, mas ainda fico com o cinza e sua reflexão, sua análise, seu distanciamento. É no refúgio do cinza que concebo minha teoria de mundo, minha versão do coração dos homens e das coisas. É no cinza que ergo minha torre de observação, meu panteão.
Se a psicologia dá um veredicto um pouco ameno para os adeptos do cinza, a publicidade é mais impiedosa. Segundo a cartilha publicitária, o cinza encontra-se na transição entre o branco e o preto. Simboliza neutralidade, discrição, indecisão, chatice, velhice e ausência de energia. Também pode comunicar sentimentos de tristeza, dúvida e melancolia, ainda que transmite igualmente quietude.
Mesmo quem arrasta seu quinhão para o vermelho das paixões ou o azul da harmonia precisa se encontrar em algum momento com o cinza da quietude, da dúvida, da velhice. O cinza é o pós-fogo. O pré-Fênix. É a medida exata entre o cair e o levantar, entre o peso e a leveza, é o milagre do intervalo entre as diversas ditaduras de vida e de morte que somos obrigados a aderir. Apenas no cinza, temos a opção de escolher, pois estamos razoavelmente afastados do tudo e do nada.