A casa das tias
São três senhoras num sobrado antigo espremido entre prédios e casas modernas. Uma não casou, outra divorciou e a outra enviuvou. Só a última teve filhos. Estão na casa dos oitenta. Saem pouco. E quando saem estão sempre em dupla. Uma tem de ficar tomando conta da casa. Têm como rotina regar o pequeno canteiro ao lado da escadaria. Varrer a calçada logo cedo é pretexto para ver o movimento dos viventes ao redor, que desconhecem a vigilância e o interesse delas pela vida.
Depois de observar a vida lá fora, elas se recolhem ao cuidado de umas às outras. Não combinaram – como num pacto, estão unidas, em liberdade, num único espaço. Ali brigam, silenciam, fazem as pazes. Resolvem diferenças que tempo não resolveu. Toleram as ausências. Deixam tudo no lugar, exatamente como antes. A mobília, os quadros e os santos convivem harmoniosamente. São observados pelo tempo e pela memória que falha, mas não se apaga.
A família vem de vez em quando, mas não quebra a rotina das três senhoras. Tudo está como antes. Não há espera nem cobranças. Partidas são tão comuns quanto as chegadas. Há, sim, uma silenciosa gratidão dos que chegam, ao sentirem o cheiro doce da casa. Cheiro de pão caseiro, café de coador, fruta madura. Na casa das tias as crianças não crescem. São eternos meninos e meninas a brincar pelo corredor encerado. A infância permanece no álbum que vez ou outra precisa ser aberto para acrescentar mais um momento, mais uma história.
As tias dão colo, dão guarida. São o que resta do passado da família que se dispersou mundo a fora. Viram o descortinar do tempo, a casa ser construída pelos pais e irmãos mais velhos, a vizinhança se formar em volta do sobrado. A casa é o ponto de encontro da família. É onde tudo que é simples torna-se valioso. Um simples café com bolo ao redor da mesa, a água geladinha do filtro de barro, os “causos” da infância contados sob o antigo banco de madeira, as rezas e os rituais, os apelidos que só os de casa conhecem... é um lugar de lembranças intactas, de saudosas rememorações.
Difícil imaginar a casa, a rua, a vida, sem avistá-las da janela acenando com um “vá com Deus, meu filho, que Nossa Senhora te acompanhe!”. Este é um momento que deveria ser moldurado e colocado no alto das coisas inatingíveis, onde o tempo jamais alcançaria. De lá só sairia para reviver.
Às tias Lira, Ica e Laura