Visitando a cidade de Afuá

Setembro de 2004

Desde 1997 não visitava a cidade de Afuá. Naquela época passei somente um pernoite, durante uma excursão do Projeto Várzea da FCAP (atual UFRA) que realizava estudos socioambientais nas várzeas do Estuário do rio Amazonas e Costa Amapaense. Foi um tempo em que vi uma cidadela acanhada e rústica erguida sobre palafitas, onde teimosamente alguns jovens corriam de motocicletas por suas vielas, arriscando a si próprios e aos demais que transitavam em suas tábuas.

Nesta viagem de visita, após sete anos, surpreendi-me com a sede municipal afuaense de ruas de concreto, suspensas ainda, mas melhoradas certamente; esquinas sinalizadas com seus nomes de travessas; lixeiros espalhados por todo o canto, pretensiosas na divisão em plásticos, vidros e metais. Acho que o povo não faz a distribuição do lixo de maneira seletiva, mas o que importa é a boa intenção. Um passo valioso. Muito foi aterrado e onde se verificava apenas o predomínio dos matos de várzea como o mururé, agora se vê árvores de médio porte, uma castanhola aqui, um abacateiro acolá. Os açaizais? Sempre presentes como o esperado.

As motocicletas foram proibidas de circular na cidade por determinação judicial, o que não atrapalhou os moradores na busca pelo destaque quanto aos veículos utilizados e aí uma observação: é nato do homem procurar se diferenciar uns dos outros a partir de um veículo. Onde há vaqueiros, o sonho é conseguir um belo corcel. Nos centros urbanos, o carro “envenenado” e bem aparelhado como um carro-som é aspiração de consumo de tantos. Por que não dizer dos esquimós que incrementam seus trenós com os cães mais saudáveis? Nosso passeio é sempre motivo de nos mostrar em público, seja para ostentar riqueza ou a nossa personalidade. Quanto mais possantes, organizados ou charmosos, teremos o maior número de olhares ávidos.

Em Afuá, sem motocicletas, que para os moços normalmente são os cavalos puros-sangues para se auto-intitularem bacanas, como seria agora possível expor a vaidade? Bicicletas são muito comuns e seu rebuscamento fica complicado e até mesmo estéril dada a quantidade e o já bastante explorado campo de se enfeitar essas magrelas.

A resposta encontrada foi a criação das “bicitáxis” pelo povo daquele lugar. Portanto, bicitáxis são bicicletas modificadas em fundo de quintal. Desculpem, falar em fundo de quintal em Afuá pode significar o alagadiço dos terrenos, onde nem os defuntos escapam e se a catalepsia por acaso ocorrer, será tarde para os pseudo-falecidos escaparem dos afogamentos depois de enterrados. Falemos então das oficinas caseiras em que se constroem as bicitáxis.

Tais engenhocas compõem-se de duas bicicletas soldadas de modo a permitir a acoplagem de assentos dianteiros e traseiras, em sua grande maioria com estofamento e cobertura (capota), costurados em napa. Para movimentar-se, dependendo dos passageiros, pedalam-se os dois lados dessa condução. Quem está só também pode prosseguir viagem, necessitando apenas de um esforço maior. A direção sai do “guidon” para um volante.

A personalização fica por conta da cor e acessórios, que em campanhas eleitorais puxam predominantemente para o vermelho e amarelo. Coloca-se o nome na placa do veículo, pendura-se o chaveirinho. Entretanto, o diferencial de cada veículo fica por conta do som instalado. Para os antigos, toca-fitas e caixas amplificadoras daquelas bem passadas, onde a má equalização (pode se ouvir uma música como se fosse um rato chiando, um fanho cantando ou um bumbo de banda marcando o passo!) e as melodias seresteiras são as marcas registradas. Para os jovens, CD Player e caixas de som com agudo, médio e grave bem balanceados, empurrando o tecno-brega e as dances aos ouvidos e almas, assustando uns, agitando outros.

No Festival do camarão, evento máximo do município realizado anualmente no mês de Julho, os afuaenses mostram o que tem de melhor para todo o Estado. São milhares de “romeiros” que saracoteiam e se esbaldam no crustáceo símbolo da festança. Alerto para aqueles que quiserem ir ao evento pela primeira vez que a travessia do canal do Vieira, a caminho de Afuá, é de uma maresia braba e demorada, incomodando até os mais experientes. Contudo, os condutores dos barcos são capazes e acostumados. Por isso, relaxem. Vale a pena encontrar um lugar tão bucólico, respeitador de si mesmo e que não se enxerga menino de rua por dois motivos: primeiro, não tem rua e sim ponte; e segundo porque a pobreza de lá não permite ainda tantos menores abandonados em suas passarelas como em outros lugares do Marajó. Ainda bem.