Encontrei um refúgio
É incrível como certas coisas possam fazer com que tudo pareça, se não agradável, suportável. Num velho banco de madeira, num bosque perdido no meio da cidade, encontro uma certa paz.
Nunca tinha vindo até aqui sozinho, e muito menos sóbrio, é-me estranha a quantidade de pequenos e belos detalhes que assomam neste pequeno ponto verde em meio ao cinza opressivo da cidade. Como tenho o espaço só para mim, percebo o que não poderia quando acompanhado. Ouço o vento que faz com que as folhas esmeralda farfalhem docemente, ouço o correr dum riacho, o piar descontraído dum passarinho qualquer. Vejo o verde da grama num tom inédito, tão vivo que me parece artificial, vejo o azul claro do céu invernal, com uma ou outra nuvem, branca como barba de avô, a singrar por ele. Sinto a brisa cálida passar por mim, me tocando com um frio que revigora, e rumar para onde quer que o vento rume. Numa lixeira de madeira repousa uma garrafa de cerveja pela metade, e ainda que vê-la me atice o desejo de beber algo, fico feliz que esta não tenha sido minha. E ainda tem algo que me fascina mais do que tudo até agora citado. Para atingir o local onde busquei assento, é preciso vencer uma íngreme escadaria, feita de troncos de árvore cerrados ao meio; tenho a impressão de que a tristeza, junto com as mazelas da vida, são incapazes de galgar tais degraus. Levanto-me e caminho até a beirada dum morro, olho para baixo e sorrio para os sentimentos que, impotentes, me aguardam lá, rangendo os dentes diante de sua incapacidade de alcançar-me.
Dou voltas pelo círculo de pedra escura que serve de pavimento, acaricio uma árvore qualquer, deliciando-me com sua aspereza, assopro com delicadeza um inseto que pousara em meu ombro, para em seguida alçar vôo. Deito no banco e olho diretamente para o céu, através duma camada verde-escura das folhas que fazem sombra sobre mim. Um par de cachorros passa, cada um em uma direção oposta, a minha frente; um me encara e solta uma latido grave, saudando-me, sorrio e aceno para o cão, que trotando se vai. Dou um imenso bocejo, sinto meu corpo relaxar, a brisa gelada continua a correr meu corpo de tempo em tempo; adormeço. Sonho com nada, desperto sem o usual torno a comprimir-me o peito logo que me despeço da inconsciência. O azul começa a dar lugar àquela cor de pôr-do-sol, que não pode jamais ser descrita com palavras. Lembro-me de que o tempo jamais seria detido por escadaria que fosse, nem se ela unisse o solo ao firmamento, tão longa quanto a torre de Babel almejava ser. É hora de partir, com elegante e triste mesura despeço-me de tão precioso local, e vou-me até a escada que serpenteia morro abaixo, agora para descê-la e abraçar os companheiros que abandonei lá, no chão duro da rua asfaltada.
Ouço a excitação em suas vozes, “Você pode se afastar, mas jamais se verá livre de nós!”. Cada degrau que piso, sinto que algo volta a se instalar em meu ser. A solidão, que vem de mãos dadas com a tristeza, é a primeira de muitas que busca conforto em meu peito. Sinto-me cada vez mais pesado, e ao vencer o derradeiro degrau, que separa aquele santuário do meu mundo, começo a desejar que aquela cerveja fosse minha.