A VINGANÇA DOS CACHORROS
Há alguns anos, uma amiga convidou-me e a um grupo de amigos para comemorar o aniversário de 15 anos de sua única filha, dalí a um mês. Quando se pensa numa data tão bonita como essa, imagina-se uma festa à noite, num grande cerimonial, com salgadinhos, bolo, docinhos, banda, troca de sapatinho, valsa com o pai, com o padrinho, com o namoradinho...
Fiquei surpresa quando ela anunciou o menu: galinha ao molho pardo com polenta. Considerei inusitado, até que ela completasse que o evento seria ao meio dia. Diferente era e continua sendo, mas a ideia me pareceu boa, porque adoro esse prato e, há anos, não o como, pois meu marido e filhos odeiam-no.
Quando faltava uma semana para o grande dia, ela nos comunicou que não mais poderia oferecer aquela iguaria, pois seu marido não aceitou que matassem as galinhas de estimação. O prato, a partir de então, seria “cozido”. Minhas papilas gustativas, minha língua e meus dentes não gostaram da notícia, pois eles já estavam preparadinhos para degustar uma porção de polenta quentinha, regada por um delicioso molho escuro espesso e uma suculenta sobrecoxa de galinha.
Eu nunca comera esse “trem” chamado “cozido, mas imediatamente lembrei-me de uma fala antiga de Maria Consuelo Quitiba Lofêgo, relatando o quanto é trabalhoso ter de cozinhar as carnes, verduras e legumes sem perder o ponto de maciez de nenhum deles.
No dia da festa, a chácara estava linda: o gramado muito verde servia de lençol para canteiros de ixoras, azaleias, camarões amarelos e rosas, alamandas de todas as cores... A decoração com tendas brancas, toalhas e assentos em tons de rosa estava primorosa. Sobre a piscina muito azul, bolas rosa e lilás davam um toque de alegria. Em locais estratégicos estavam os arranjos de hortências e orquídeas violáceas, combinando com o bonito bolo e os docinhos.
Ao meio dia a mocinha apareceu, vestindo um curtinho de organza e renda, e só lhe faltavam os sapatinhos de cristal. Seus pais exibiam sorrisos de alegria e essa era a tônica entre os convidados.
Por volta de 13 horas, os garçons começaram a servir o tal “cozido” e de longe eu comecei a falar com meus botões: “Esse “negócio” combina com festa de 15 anos, meu Deus? Coitadinha da bichinha! Custava gastar um pouco mais e fazer essa festa à noite, num cerimonial? Se ainda fosse galinha caipira ao molho pardo... É, tá certo, também não assentaria, não!”
Ao chegar mais perto, eu que não gosto muito de legumes, tentei achar alguma beleza nas travessas de abóbora, chuchu, inhame, batata doce, jiló e maxixe, mas estou procurando até hoje. Consolei-me, porém, quando vi a terrinas com as carnes, a batata inglesa, o aipim e os pedaços de banana. Estavam muito bons.
A cerveja estava geladíssima, a conversa com os amigos ótima e foi bem divertido dançar ao som do DJ. Por volta das 18 horas, nós já começávamos a nos despedir, quando soubemos que o pai estava muito consternado no interior da bela casa. Motivo? Numa área não muito distante, os cachorros da chácara haviam invadido o galinheiro e matado 16 penosas.
Será que os cães estavam revoltados por não terem sido convidados para a festa? Pode ser que o prato predileto deles fossem galinhas cruas ao molho vivo, não é não? Bem, quis ser solidária com meus “vingadores” na época, e escrever essa crônica, mas seria muita “cadelice” da minha parte.
Então, apenas agora, quando já se passaram 15 anos, sinto-me à vontade para relatar a história. Sei que corro dois riscos, um bom e um ruim: o de a família ler, se identificar e morrer de rir; o de ela odiar e resolver comer o meu fígado frito. Vou apostar no primeiro, porque já sei que eles preferem “cozido”.