Casos sem acasos
Certa vez, durante uma atividade escolar, desenhei um céu tal como minha imaginação o criara.
No centro, um garboso sol.
Nas laterais, linhas côncavas davam vida aos pássaros... Todo o céu era atravessado pelas cores do arco-íris, que faziam o maior espalhafato entre os pássaros, o vento e as nuvens.
E, por último, as nuvens salpicavam o colorido céu.
Contagiada pelo meu entusiasmo, os lápis pareciam ter vida própria. Até o opaco e menosprezado lápis branco teve seu momento de glória quando pintava as nuvens da minha criação.
Como era de costume, a professora pediu que relatássemos nossos desenhos.
Caminhei até o tablado onde a carteira da professora se encontrava e contava entusiasmada a história de minha autoria sobre a festa no céu, até que fui interrompida pela professora.
- Seu céu não tem nuvens. Afirmou a professora com calma.
Sem pestanejar, respondi veemente, apontando o dedo para o desenho: - As nuvens estão aqui!
A professora explicou-me que o papel era branco, portanto, deveria colorir minhas nuvens de azul – Se quer seu céu com nuvens, colora-as de azul. Repetiu a professora.
Saí do tablado com a “cara amarrada” e com passos firmes.
Peguei o lápis azul e observei, disfarçadamente, o olhar de satisfação da professora. Enquanto coloria murmurava: - Aonde já se viu nuvens azuis!
Traçados azuis na vertical, na horizontal, ziquezaqueando... Pronto! Desenho com nuvens!
Caminhei novamente até o tablado, mas, desta vez, fui mostrar o resultado da minha criação...
Colori toda a extensão da folha de azul... De uma extremidade a outra, deixando espaços em branco na imensidão celeste para dar vida às nuvens que antes estavam mórbidas.
Com um sorriso largo e discretamente desafiador disse: - Aqui estão minhas nuvens professora!
A professora sorriu e nos seus olhos não haviam sinais de descontentamento. Com um gesto acolhedor sussurrou: - Escolheu o caminho mais difícil! Se fosse menos teimosa já teria acabado seu desenho, como seus colegas. Após dizer isso, apontou para os meus lápis gastos.
Aliviada por não levar uma bronca respondi, agora, com a voz mansa: - Tia, se eu fosse menos teimosa, teria um céu sem nuvens.
Voltei para o meu assento sob o som dos risos dos meus colegas.
Mas nada importava porque o meu céu tinha nuvens brancas!