Súditos, plebeus e vassalos do século XXI
Algumas pessoas ficam bravas comigo quando desmancho a fantasia do casamento do príncipe William e da plebéia Kate Middleton. É que para mim, mesmo achando tudo muito bonito, é um filme de ficção como qualquer outro de final feliz, pois, a realidade do mundo tem um enredo bem menos fantasioso. E quando falo em realidade, não me refiro só ao negativo da miséria e da desigualdade social, mas à mais pura e simples realidade da vida. Nossas melhores reflexões são as que praticamos quando nos "desplugamos" do inconsciente coletivo e nos conectamos ao livre pensar, alheios às emoções e comoções induzidas, principalmente as promovidas pela imprensa.
E qual é essa realidade da vida?
A realidade de que vivemos para nós mesmos e para o mundo, e não para um país e suas tradições. Uma realidade que precisa do nosso trabalho, da nossa compaixão e do nosso sentimento de justiça para com todos. Uma justiça que, para ser fraterna e humana, exigiria que o buquê de flores da princesa Kate em homenagem as vítimas da guerra, não homenageasse apenas os "mortos deles", mas todos aqueles que deram suas vidas por causas emprestadas e que lhes foram impostas sob a máscara do patriotismo. Contaminados pelo sarampo nacionalista - doença infantil como Einsten qualificava esse sentimento - lutaram para enriquecer os senhores feudais e a realeza.
Essa desigualdade de quinhentos milhões da família real britânica foi construída às custas de muitas mortes, da exploração de suas ex-colônias e de seus súditos. Tudo bem, foi num passado em que todos os povos eram assim, mas por que cultuar e manter as tradições oligárquicas desse triste e atrasado período da história?
Súditos? Plebeus? Oras... essas palavras ofendem qualquer ser humano que tenha o mínimo de auto-estima, pelos seus próprios significados:
-Súdito: adj (lat subditu) 1 Que está sujeito à jurisdição ou às ordens de um superior (autoridade eclesiástica, príncipe, soberano de um Estado etc.). 2 Que está dependente da vontade de outrem; sujeito; submetido.
-Plebeu: adj (lat plebeiu) 1 Pertencente ou relativo à plebe. 2 Que não faz parte da nobreza. 3 Destituído de distinção; ordinário, vulgar. sm Indivíduo da plebe. Fem: plebéia.
Você se classificaria racionalmente nessas duas classes de seres inumanos? Aceitaria ser um "submetido" (submisso) e um "ordinário" conforme os significados "reais" dessas palavras? Oras... às favas essas tradições num mundo já (quase) convencido de que todos somos merecedores de dignidade e dos mesmos direitos! Que espécie de tradição estúpida é essa que mantém viva na memória a oligarquia dos tempos do barbarismo e das injustiças? Reparem que esses dois termos (súditos e plebeus) são utilizados apenas pela família real e por nós, "os outros" de outras nações quando nos referimos ao "resto" do povo britânico.
Então, não fiquem chateados comigo quando desprezo toda essa pompa hipócrita. Não se trata de discurso comunista, iluminista ou socialista, mas sim, humanista. O ser humano não pode ser classificado e muito menos subjugado por sua condição sócio-econômica, sua árvore genealógica ou traços de hereditariedade. Quando aceitamos essas diferenças, estamos aceitando papéis secundários e utilizando mal a nossa empatia, colocando-nos no lugar de pessoas que nunca chegaremos a ser, apenas para podermos sonhar um sonho impossível e fomentar o sentimento de extrema desigualdade que a tradição e o interesse de poucos nos impõem. Oitenta milhões de dólares numa cerimônia paga com impostos de seus vassalos. Bem que poderiam passar a lua de mel em Serra Leoa, antiga colônia britânica e que, hoje, é o país mais pobre do mundo. Seria um "belo" contraste.
Que o príncipe e a princesa sejam felizes... afinal, são frutos dessa tradição que ainda resistirá por algum tempo, até que um herdeiro do trono se humanize ou a própria plebe britânica se revolte. Vale também para os regimes presidencialistas com reis, rainhas e câmaras de lordes tupiniquins.
O importante no mundo de hoje é que TODOS de sangue vermelho tenham o direito de viver felizes para sempre!