O menino e seu trem
O menino e seu trem.
E lá vem o amigo trem apitando soltando fumaça como a chaminé das casas.
Serpenteia pela serra, carregando esperanças e sonho de quem aguarda na plataforma daquela estação naquela cidade de pedra esquecida entre serras. Dizem que ele carrega todas as dores do mundo e o menino fica a lhe contar os vagões, sentado ali naquele banco de madeira com seu balaio de pasteis, outras vezes andando de um lado para o outro oferecendo as delicias dos pasteis de Dona Xandrina (Alexandrina). Mas a estação só se agita quando este trem chega com seu estridente apito num som ensurdecedor que faz as pessoas se apressarem, um cão vira lata ficar a latir sem parar, os cavalos amarrados se inquietarem empinando em suas patas traseiras e relinchando.
É o trem que já vem, sente o cheiro da fumaça, ouve-se o apito.
Agora o povo se agita, gritam, balançam seus lenços, vêem-se olhos molhados e avermelhados tristes e perdidos numa melancolia sem fim, outros molhados, mas por uma alegria de espera que parece infinita. As pessoas nas suas melhores roupas e sapatos engraxados fazem a festa desta plataforma em que grita o menino, para vender os seus pasteis e assim observar a vida deste pacato lugar.
Mais ao fundo vê-se uma senhora com lenço preto na cabeça ao lado de um jovem de olhar triste, sentados quietos, ela chora e suas lagrimas vão até o chão, o menino fica a imaginar que é mais uma mãe a despedir do filho que pode estar de partida para a cidade grande, para estudar e se formar em doutor, uma cena muito comum naquela estação, mas desta vez era comovente aquele choro copioso. E segue gritando pelos pasteis de carne e de queijo, que sempre são bem aceitos pelos carregadores de sacas de alimentos que chegam para os armazéns da cidade.
Então depois de toda uma seqüência de manobras, o trem pára e desliga,deixando agora apenas o barulho e agito local, de pessoas saindo esticando pernas e remexendo o pescoço, como a colocá-los no lugar devido. Outras com olhares de busca por alguém que estaria pela plataforma na espera. Era lindo este rebuliço todos os dias daquela cidade, que penso mesmo que a vida acontecia somente ali naquela estação naquele horário. E sentia que o menino vivia ali toda sua emoção, com o sonho de um dia se soltar naquele trem e viajar para a capital e conhecer as coisas belas, que somente ouvia contar com os olhos esbugalhados de curiosidades nas rodas de homens em praças e boteco da cidade.
Agora os carregadores com seus braços fortes começavam o lindo jogo de sacos de um para o outro numa verdadeira sintonia sincronizada até alcançar os caminhões, que aguardavam para levar a carga de alimentos, eles pareciam uma tropa de exercito. O menino maravilhado sonhando.
Num lance o menino olha para o fim da composição, vê assustado alguns homens saindo a carregar um caixão com uma mala antiga sobre ele, e seguiam pela plataforma a procurar por alguém, seguiu assustado seu passo, quando os viu parando de frente para a senhora que chorava junto do filho. Um deles entrega um papel e neste instante o choro da mulher se transformou em grito triste e dolorido e o jovem abraçado a ela parecia não querer acreditar no que via seu querido pai sendo devolvido num caixão depois de anos trabalhando na capital. Não era a volta que ele sempre prometera à família. Naquele instante toda plataforma ficou silente calada na dor daquela família, que saía com seu caixão em direção a uma carroça com destino a alguma sua roça perto daquela cidade da estação.
Mas o trem precisava seguir seu caminho e logo se ouviu o roncar dos motores a fumaça que subia e o agito das pessoas a se embarcarem, agora os novos olhares lacrimosos de quem partia e de quem ficava perdido naquela plataforma de estação.
Ouve-se o apito e o trem partiu e foi sumindo naquela curva deixando sua fumaça branca e para trás as dores e alegrias daquela cidade. E o menino volta para casa com seu balaio vazio e com muitas historias para contar, para amanha recomeçar seu dia naquele mesmo lugar dos seus sonhos.
Era assim a manhã daquele lugar. A vida toda naquele alto de estação, onde o menino passava horas na observação com a certeza que um dia tornaria real sua viagem naquele trem e assim recriar toda sua ambição.
“O trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também de despedida.” (Milton Nascimento & Fernando Brant)
Toninhobira http://mineirinho-passaredo.blogspot.com/
28/04/2011