O Tamanho do Sonho
Era véspera de Natal do ano de 1989 e como de costume escrevia uma carta para o Papai Noel.
Meu irmão, meus primos e eu sentávamos em volta da extensa mesa da cozinha da vovó e, juntos, endereçávamos nossos pedidos ao "Bom Velhinho". Lacrávamos e entregávamos as cartas aos nossos pais.
Naquela época, não era comum uma criança de cinco anos saber ler e escrever, mas eu aprendi. Era muito inquieta e curiosa para esperar a idade “correta” para ser alfabetizada – sete anos, naquele tempo. Estava feliz, agitada, envaidecida, emocionada... Era um contentamento difícil de descrever, pois aquela era a primeira CARTA que havia escrito com as minhas palavras... Sem a interferências de adultos.
Não era um texto longo, mas escrevi o suficiente para que o Papai Noel entendesse meu pedido.
Na semana do natal minha mãe acolheu-me no aconchego do seu colo e explicou que o Papai Noel não poderia me dar o presente que escolhi. Ela dizia que ele havia ficado imensamente triste por não me atender. Cuidadosamente, escolhia as palavras para justificar o porquê de o Papai Noel negar o pedido descrito em minha carta. Recordo que a mamãe falava bem baixinho como se estivesse contando-me um segredo: - “É que na fábrica dele só se constroem brinquedos e pelo que me disse você quer uma de verdade. Ou a de brinquedo serve?” Balancei a cabeça indicando que não... A de brinquedo não serviria.
Lembro que fiquei chateada com o Papai Noel, afinal, tinha me comportado bem durante o ano.
Na mesma noite em que mamãe e eu conversamos, fui até quintal, deitei no banco de madeira para admirar o céu e quis desabafar diretamente com o “Bom Velhinho”: - “Sei o porquê de não ganhar minhas asas – pedi asas como as dos anjos - O céu é muito grande e eu poderia me perder". - Era uma explicação sensata, mas quem disse que os desejos que o coração cultiva seguem a razão?
E continuei minha conversa: - Queria tanto tocar as estrelas! Queria conhecer o arco-íris e, quem sabe, visitar Deus! Talvez, São Pedro não se importaria de abrir as portas do paraíso e eu poderia ver como minhas orações chegavam até o Criador... Será que eram levadas por anjos? Poderia perguntar a Jesus sobre a Trindade Santa... Afinal, porque o Espírito Santo é desenhado como se fosse uma pomba? Poderia tocar as estrelas e visitar o Pequeno Príncipe! - Haviam muitas perguntas... O céu sempre me fascinou... E pelo que me lembro, fiquei um tempo considerável em silêncio pensando na minha conversa com o “Bom Velhinho”. Repassava cada palavra e imaginava como seria se tivesse asas. Até tentei argumentar: - “Reconsidere! Vou ser cuidadosa e voarei só em lugares próximos a minha casa!” Tentei "barganhar"...
De manhã meus primos adolescentes, já sabiam da “menina que queria ter asas” e, claro, fui a piada do dia.
Enquanto corria atrás dos meus primos munida de goiabas bem maduras e/ou podres que recolhi no chão do quintal, gritava os meus avós. Eu era veloz e esperta, mas, infelizmente, tinha uma mira desastrosa.
Como gostaria que meus primos ficassem impregnados com o cheiro das goiabas! Acertá-los não garantiria meu presente natalino, mas a piada teria o efeito inverso e seria eu a dar risadas, mesmo sem as asas de anjo.
Sem mais goiabas, sem mais fôlego... Só ouvia as gargalhadas dos meus primos que ficavam cada vez mais insuportáveis.
Sentada no chão com os braços apoiados no joelho e com a cabeça debruçada sobre meus braços, chorava. Minhas lágrimas eram de desapontamento, raiva, vergonha, principalmente, vergonha! Naquele instante, tive a consciência que nenhuma criança que conheci, havia feito tal pedido ao Papai Noel... - "Asas? Asas como as dos anjos? Impossível!" Pensava. - E mais lágrimas...
Ouvi os passos da minha avó se aproximando – era inconfundível o ritmo do seu caminhar! - Ela olhou irritada para meus primos que se calaram. Segurou a minha mão e pediu para que eu ficasse de pé.
Com o olhar desapontado e com a voz engasgada perguntei a vovó: - “Sabia que não ganharei asas no dia de Natal? Papai Noel não fabrica esse tipo de presente". - Ela respondeu que sim... Que sabia. Em seguida, questionou: - “Qual é o tamanho do seu sonho, minha Pequena?” Estiquei bem os braços na direção horizontal e disse que era maior que o próprio céu.
Ela sorriu e cochichou nos meus ouvidos: - “Se seus sonhos continuarem crescendo, suas asas também crescerão. Quando o sonho é grande e acreditamos que ele pode ser real, alcançamos o céu, se assim desejarmos.”- E como eu desejava!
Na noite de Natal tive a estranha sensação de ouvir o barulho de asas... Como o som de um pássaro levantando voo. Talvez, aquele som fosse só a voz desinquieta do meu desejo...
Talvez, fosse a magia do Natal, sinalizando estar ali...
Ou talvez, fosse um sonho bom.
Independente "do talvez" e do seu conteúdo de possibilidades, pensei: - “Um dia terei minhas asas e voarei! É só cuidar dos meus sonhos...”
Semeio sonhos e colho "asas"...