Soul no Catete
Fui convidado a ir a um culto. Na charmosa Igreja Metodista do Catete. Lembra aquelas igrejas americanas, linda! Como algo automático, lembrei de minha mamãe. Minha mãe é metodista, discípula de Mr. Wesley. Minha mãe já faleceu, mas como era religiosa dizia que jamais morreria. Morre quem odeia a vida. Minha mãe amava a vida, então dizia que continuaria. Jamais aceitaria que a vida fosse limitada a este pedacinho de carne que ficamos entranhados por alguns anos. Bem, minha mãe ficou entranhada em seu corpo por 60 anos. Pouco, não? Sim, muito pouco. Ah, como é pouco, como sinto sua falta. Sinto saudade de seu carinho, de quando voltava da igreja e contava como tinha sido o culto. Faço coro com Drummond, mãe não deve morrer. Bem, minha mãe não morreu. Posso ainda ouvir sua voz me chamando para ir à escola.
Meu amigo dissera que um grupo de louvor americano iria cantar na Igreja naquele domingo. Ele também sabia da minha paixão pela música crioula do Alabama. Falar de protestantismo é falar desta música, desta dança, das pregações acaloradas dos blacks preachers. Fui conferir o grupo creoulo norte-americano. Mas antes tivemos que ouvir a pregação do preacher. Tivemos que nos escandalizar com os transes evangelicais. A Igreja do Catete é bem tradicional, mas aquela noite ela virara o templo do spiritual. Percebi que na entrada havia alguns cantadores da Lapa. Olhos arregalados. Teve um, de cabelo de medusa, que entrara em transe e dançara loucamente na Igreja. O pastor do Catete estava horrorizado. Mas o black soul exigia que nossos corpos se movimentassem. Meu amigo ria da minha cara. Estava maravilhado. Estava como Moisés diante da sarça que ardia. Meu coração ardia. Como não ser protestante na América!
Neste domingo entendi por que minha mãe era Metodista. Sua Igreja é alegre, inteligente, bonita. Entendi também por que Deus tolera tanta insanidade protestante. Deus também se emociona com esta música creoula que vem lá do Alabama.