O dia em que tentei ser ator

Lembro-me como se fosse ontem, o dia em que tentei a arte de interpretar, no palco. Digo no palco, porque, via de regra, interpretamos o tempo todo: papel de pai, filho, professor, aluno, mãe, marido, esposa, empregado, patrão, e por aí vai...

Era o ano de 2006 e eu cursava o primeiro semestre de Letras na UFPA - Castanhal. Um dos professores, da disciplina Oficina de Comunicação Oral, sugeriu que fizéssemos apresentações (peças, musicais, recital de poemas, etc). Era a condição para obtermos a nota final da disciplina.

Foi aí que me veio a ideia de escrever e apresentar este monólogo, chamado "Será que dá tempo?".

Escrevi, ensaiei, me caracterizei e esperei a hora. Tudo estava perfeito: eu era um velhinho simpático, de boina e bengala. Entretanto, quando subi ao palco e vi a platéia, basicamente meus colegas da turma, amigos e parentes convidados, gelei. Naquele instante desesperador, percebi que não estava pronto a submeter-me àquela prova. Mas era tarde demais pra desistir... Fui adiante e, confesso, me saí relativamente bem para um iniciante.

Mas, confesso, foi um alívio indescritível quando ouvi os aplausos, ao final de tudo.

Segue aí o tal monólogo que interpretei.

Abertura:

[Velhinho cantarolando...]

- “Felicidade foi embora e a saudade... me devora...”

[Depois, sentando numa poltrona...]

- Ai que saudade... Saudade da vida! Tenho 74 anos, sabia? Nasci no dia 25 de setembro de 18... Não, espera aí, mil novecentos e...

[Silêncio]

Sei lá, faz tempo, muito tempo. Tempo demais. E depois de todo esse tempo, a gente perde a memória, perde a VAIDADE [com ênfase] e a VALIDADE de alguns componentes. É verdade! Vocês sabiam que a gente tem prazo de validade? É, pode acreditar! Eu, por exemplo, já perdi a VALIDADE, já morri em ALGUMAS partes [insinuando mostrar as partes íntimas]. Já não enxergo direito, não escuto direito; esqueço onde deixei meus óculos...

Aí, nesses órgãos, eu já morri um pouco. Mas, se vocês querem mesmo saber, tem outros órgãos que já morreram um pouco também: querem ver? Não, é melhor eu só dizer, sem mostrar [ar de irreverência].

Ás vezes, por exemplo, me levanto para ir ao banheiro, mas não dá tempo: chego todo molhado – quando não é pior, MELADO! [risos...]

Tem outro (órgão) que faz um BARULHO! É que ele (apontando para as nadegas) perdeu a “liga”, a “elasticidade” e não aperta mais como antes...

Mas o pior mesmo é o outro defunto. ELE (apontando, com malícia, o genital) foi muito importante!!! Agora JAZ aqui (acariciando a região). Ai que saudade!!!

[suspiros...]

Mas, é assim mesmo. Aliás, a vida é injusta! O TEMPO é injusto! É verdade! Por que a gente tem que chegar a esse ponto? MIJANDO nas calças, peidando na frente das crianças – e eles gritando: O VÔ SOLTOU UM PUM, o vô soltou um...

É. Eu sei, me desculpem, mas não é isso? Nessa idade a vida é uma mer...!

A gente devia era morrer jovem, com TUDO funcionando bem, em perfeito estado.

Eu, falando sinceramente, queria ter morrido com 17 anos... Sim, 17 anos.

[ar de contentamento e saudade...]

Todos os dias eu me convenço mais de que se Deus existisse e fosse mesmo BOM – como dizem por aí – Ele teria me atendido naquela tarde...

17 anos! Ela tinha 34. Era viúva...

[instantes de silêncio, fitando o horizonte...]

...

[depois, voltando a si...]

Sim! Ela morava perto de nossa casa e me chamou pra matar uma aranha. Cheguei todo acanhado. Ela abriu a porta, me pegou pela mão e me levou para o quarto. “Ela ta lá debaixo da cama”, me disse.

Eu peguei um tamanco, [imitando o gesto] me abaixei ao lado da cama e PLAFT!!!, ismagalhei a danada...

Quando me levantei, ela tava NUA, exuberante, se deitando na cama...

[o velho se agita um pouco, tremendo...].

E para minha surpresa, tinha outra aranha ENORME, entre as pernas dela...

[suspiros...]

Aproveitei! Me esbaldei! E nem sabia nada daquilo. É a natureza, é, ela insina a gente!

[risos]

[depois, mais calmo...]

Foi nesse dia que eu pedi pra morrer. É verdade, pela luz que me alumia! Juro que morria feliz!

O homem devia morrer assim: NU, deitado, suado e abraçado a uma mulher SACIADA, feliz... Sonolenta...

Pois é. MATEI muitas baratas, aranhas e outros insetos na casa daquela viúva... toda semana aparecia um bichinho diferente lá...

[risos...]

É por isso que acho que Deus não existe, ou, se existe, ele é sarcástico – me deixou ficar assim, esse trapo...

[ar de decepção...]

Ai, deu vontade de ir ao banheiro! E é número DOIS!!! SERÁ QUE VAI DAR TEMPO?

[Sai de cena, arrastando os chinelos...]

XXX

Obs.:O professor até me deu conceito Excelente!