Domina a bola, ignora as letras
Admirado na quadra. Pequeno talento. Quem o vê jogando com os “grandes”, colegas maiores que ele e mais velhos, de igual para igual, driblando-os e fazendo gols ou dando trabalho ao goleiro adversário, não imagina a sua dificuldade com as letras. Não lê. Não escreve. Na quadra esportiva domina o espaço e o corpo obedece à suas vontades. Suas habilidades motoras e cinestésico-corporal garantem-lhe a titularidade na equipe da escola. Na sala de aula o olhar fica ausente. Outras vezes parece sonhar acordado. Deve sonhar com ela, a bola. A destreza e o domínio com os pés fazem um contraponto com o desconforto e a “timidez” que o lápis e o papel e a dificuldade na leitura lhes causam. Líder na quadra, destemido, organiza o time, propõe jogadas. Na sala de aula, olha para a folha do caderno e para o lápis como adversários temidos. Surpreendo-o com um vídeo de jogos da equipe e fotos. Relembramos lances, jogadas e resultados. Ele sorri. Retribuo o sorriso. Lanço um desafio. Peço que desenhe uma bola na folha branca. Enquanto ele desenha, escrevo a palavra B O L A no quadro branco. Ele capricha e pergunta se pode colorir. Respondo afirmativamente e ele dá cores vivas à sua bola. Pergunto-lhe o que mais gosta de fazer com a bola e ele rapidamente responde: GOL! Escrevo a palavra G O L, no quadro. Solicito que ele tente desenhar ele fazendo um gol. Sua atenção se volta para a folha. Nela surge a figura de um menino, uma bola no alto e a baliza. No quadro escrevo: O nome dele e a palavra menino, bola e gol. Peço que fale do que sente quando joga. Ele diz: felicidade. Elogio a produção e ressalto a clareza da representação. Digo a ele que as palavras também representam o que expressamos. Observo que ele copia as palavras que escrevi. Aponto para os velhos jornais, empilhados numa cadeira em um dos cantos da sala de aula e sugiro que procure neles imagens quem tenha relação com a nossa “conversa”. Ele encontra algumas imagens. Peço que escolha as que mais interessar, recorte e cole na cartolina que deixei sobre a minha mesa. Enquanto ele recorta as imagens dos jornais, pergunto-lhe o nome da modalidade que ele joga em nossa escola. Ele prontamente responde: Futsal! Registro a palavra F U T S A L no quadro branco. Aponto as letras uma a uma e ele reconhece todas. Ele copia a palavra futsal na cartolina acima das imagens que ele colou. Olhamos para o cartaz. Fixamo-lo no mural. Ele sonha ser um jogador reconhecido e eu sonho em um dia ler uma carta dele me contando seu sonho.
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