IMPRESSÕES DA VIAGEM AO PERÚ – Lima, Machu Picchu e Lago Titicaca
Lima - a cidade onde nunca chove
O comandante da aeronave informou aos passageiros que, dentro de alguns minutos, estaríamos pousando no Aeroporto Internacional Jorge Chávez, em Lima, capital peruana. Pela janela do avião, podia-se ver o oceano Pacífico com sua cor azul-escuro, margeado por uma imensa faixa de terra acinzentada. Parecia que sobrevoávamos um deserto pontilhado por casas e edifícios. Estávamos chegando na cidade que nunca chove que tem clima de deserto, devido a sua baixa pluviosidade (menos de 8 mm por ano), como consequência da condensação de nuvens baixas. Via-se pouco verde, nenhuma floresta, nem mesmo cultivos e plantações que em geral circundam os grandes centros urbanos. Lima parecia do alto uma cidade desértica.
Apesar do atraso de alguns minutos, o nosso guia local, Raul, chegou para nos apanhar. No percurso do Aeroporto ao hotel, localizado no bairro nobre de Miraflores, o guia nos explicou a origem da palavra Lima – oriunda da palavra Rimac, um rio que atravessa a cidade. A corruptela da pronúncia de Rimac acabou, com o tempo, transformando-se em "Lima", que em nada lembra a palavra original. Lima tem mais de 9 milhões de habitantes e seu trânsito é intenso. O buzinaço pode ser ouvido em toda parte e os motoristas, apesar dessa orgia de sons, parecem calmos e tranquilos. Já se acostumaram a essa forma de comunicação no trânsito, que ora parece ser advertência, implicância, cortesia, paquera ou simplesmente pressa mesmo. A orla marítima estava sendo reestruturada com a construção de uma imensa rodovia, a Costa Verde, beirando o oceano Pacífico. Mesmo com suas águas escuras e cobertas por uma névoa seca, o oceano ornamenta o litoral da cidade, emprestando-lhe um ar de liberdade.
Raul informou-nos que a cidade foi fundada em 1535, pelo colonizador espanhol Francisco Pizarro, sendo também conhecida por “cidade dos reis”, devido à data da sua fundação ser dia 6 de Janeiro. Foi a principal cidade das colônias espanholas situadas naquela parte do continente, importância essa que durou até a fragmentação dos domínios espanhóis. Apesar de ter sofrido vários terremotos, a urbe conserva ainda diversos vestígios da grandeza e esplendor que alcançou no passado. Por toda parte, pode-se ver igrejas e edifícios coloniais, entre eles, a imponente Catedral de Lima, concluída em 1625, destruída por um terremoto e reconstruída posteriormente. No interior, existem altares em vários estilos, desde o barroco até o neoclássico, muitas pinturas e esculturas e um cadeiral em madeira entalhada, que é uma das obras-primas da arte colonial peruana. Uma guia peruana, no interior da basílica, apresentou-nos os trabalhos (pinturas, esculturas e arquitetura) do famoso artista Mathias Maestro. Um nome que eu não poderia esquecer nem se quisesse.
Na Praça de San Martin, onde se encontra a Catedral de Lima e o Palácio do Governo há também o monumento equestre em homenagem ao José de San Martin, um grande patriota que proclamou, em 1821 (um ano antes do Brasil), a independência do Peru. A praça está rodeada de edifícios importantes como o Grande Hotel Bolívar e o Teatro Colón e apresenta obras de arte em escultura nos seus jardins.
É natural encontrar-se grupos de estudantes, sempre vestidos a caráter (gravata e roupa azul marinho ou preta), desfilando pelas avenidas limpas e bem cuidadas do centro histórico. A algazarra dos estudantes competem com o barulho das buzinas. Na praça Kennedy, localizada no bairro de Miraflores, a decoração dos jardins floridos contrasta com os pregadores do evangelho, que reúnem pessoas em um pequeno anfiteatro no centro do parque. “Kennedy era un gringo bueno, pero tenemos gente mejor que merece un homenage apropriado” - confessou-nos um taxista, alegando que os peruanos querem mudar o nome da praça, escolhendo um nome mais nacional. O moderno Shopping Center Larco Mar, situado no distrito de Callao, possui lojas e restaurantes sofisticados onde pode-se comer iguarias peruanas e de outros países. Os inúmeros seguranças que guardam o complexo comercial demonstram educação e simpatia, cumprimentando os turistas com “buenos días” e um sorriso. Lima é uma cidade simpática à primeira e segunda vista. A má impressão que se tem de cima logo é desfeita quando se perambula pelas ruas e se convive com os limenhos, que parecem amistosos, calorosos e receptivos.
Cusco a capital moderna do Império Inca
Cusco, (do Quíchua Qusqu, em espanhol Cuzco) significa "umbigo", no idioma Quíchua é uma das maiores cidade no Peru depois de Lima (300 mil habitantes) e está situada no sudeste do Vale de Huatanay ou Vale Sagrado dos Incas, na região dos Andes. A primeira impressão foi boa. Ruas muito limpas, lixeiras por toda parte, gente bem agasalhada e bem vestida, vindas de todas as partes do mundo. Uma verdadeira babel de línguas. Guardas de ambos os sexos uniformizados podiam ser vistos em duplas em cada esquina. Cheguei a contar dez duplas em uma só avenida. Possivelmente a cidade é a que melhor oferece comodidades e serviços para os turistas. A infraestrutura de serviços, restaurantes, guias bem treinados é excelente.
No hotel, fomos recebidos pelos atendentes que logo ofereceram o famoso Chá de Coca para reduzir os efeitos da altitude. A guia nos informou que muitas pessoas passam mal, sentem enjôos, tonturas e dores de cabeça. Fato comprovado pelos relatos de muitos turistas que encontramos pelo caminho. Muitas pessoas ficam impossibilitadas de continuar viagem mesmo depois de tomarem o chá de coca ou as famosas pílulas conhecidas como SOROCHI PILL, que podem ser compradas em qualquer farmácia sem receita médica.
A nota mais estranha que posso relatar sobre a ingestão de três xícaras deste chá durante o primeiro dia em Cusco foi a minha total incapacidade de dormir. Fiquei em estado de alerta máximo e mesmo por volta das quatro horas da manhã, não consegui mais do que dez minutos de sono. Foi terrível a sensação. Meu coração também acelerou muito, mas não senti enjôo, tonturas ou falta de ar. Se foi graças ao chá de coca, não sei. Mas, dois dias depois voltei a tomar o chá e os efeitos foram iguais ao do primeiro dia - passei a noite em claro ouvindo as baladas da FM 98.5 uma seleção melosa de salsa, cumbia e merengue ritmos peruanos.
A guia nos informou que Cusco foi o mais importante centro administrativo e cultural do Tahuantinsuyu, ou Império Inca antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Lendas atribuem a fundação de Cuzco ao inca Manco Capac no século XI ou XII. Uma visita às ruinas dos templos Incas, mostram paredes de granito do palácio Korikancha, ou Templo do Sol ainda intactos. Impressionam a arquitetura e esplendor dos monumentos. Feitas com pedras polidas e superpostas de tal forma que seria impossível introduzir-se uma lâmina de uma gilete entre uma rocha e outra. As construções foram feitas para suportar terremotos de grande intensidade. Um massacre de proporções gigantescas foi perpetrada pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro que em 1532, invadiu e saqueou a cidade. A maioria dos edifícios incas foi arrasada pelos clérigos católicos com o duplo objetivo de destruir a civilização inca e construir com suas pedras e tijolos as novas igrejas cristãs e demais edifícios administrativos dos dominadores, desta forma impondo sua pretensa superioridade européia.
Vimos que a maioria dos edifícios construídos depois da conquista européia é de influência espanhola com uma mistura de arquitetura inca, inclusive a igreja de Santa Clara e San Blas. Freqüentemente, são justapostos edifícios espanhóis sobre as volumosas paredes de pedra construídas pelos incas. A catedral, construída de materiais extraídos das antigas muralhas e palácios, guarda riquezas de considerável valor. Outra igreja de grande interesse é a de Santo Domingo, construída sobre os muros do Templo do Sol, chamado Koricancha.
Seguimos mais 300 metros acima pelas montanhas que circundam Cusco para visitar outros exemplos da arquitetura inca: a fortaleza Ollantaytambo, e a fortaleza de Sacsayhuaman que fica aproximadamente a dois quilômetros de Cusco. Do alto, a vista da cidade é magnifica. Até um Cristo Branco de 25 metros (réplica do Cristo Redentor do Rio) foi construído no alto da montanha. Da Plaza das Armas no centro de Cusco pode-se se ver a imagem iluminada à noite.
Cusco também se caracteriza pelos seus edifícios grandes, com os seus pátios interiores, rodeados por estreitas e sinuosas ruas, pequenas praças e cantos escondidos, onde existem diversos vestígios de construções anteriores à conquista. A cidade é o ponto de partida para um inesquecível passeio pelo Vale Sagrado dos Incas e a lendária cidade perdida de Machu Picchu.
Vale Sagrado dos Incas
Saímos cedinho em direção ao Vale Sagrado dos Incas, passando por imensos vales verdejantes, montanhas cobertas de neve (como se fossem de chantilly). Um cenário de cinema descortinou-se diante dos nossos olhos. Qualquer turista europeu ficaria surpreso ao perceber que as escarpas da Suíça, os fiordes da Noruega ou mesmo as montanhas que circundam o Mar Báltico da Alemanha estão reproduzidas ali mesmo naquela região do Peru - no encantador Vale Sagrado dos Incas. Um lugar que parece ter sido pintado por Da Vinci ou Michelangelo, tamanha a sua beleza. Com as câmeras coladas nas janelas do microônibus, os turistas boquiabertos quase não respiravam, emudecidos diante das montanhas com mais de 3 mil metros de altitude, tendo à frente um vale imenso, cheio de lagos, estradas e rios serpenteando-se por entre as serras. Não foi à toa que batizaram aquele vale de “sagrado”, é mais do que isso – é um pedaço do paraíso perdido que ainda se encontra quase preservado. O homem fora incapaz de destruir tamanha beleza. As terras férteis, a água abundante e o clima agradável fizeram com que os incas escolhessem aquela região para estabelecer seus povoados e desenvolver a agricultura. Misturado às belas paisagens naturais, o Vale Sagrado esconde também incríveis construções que retratam o que foi o Império Inca.
Descendo sempre em direção ao fundo do vale, passamos por Chinchero, um alegre povoado com seu mercado de pedras preciosas e prata genuína. Logo adiante, outra povoação chamada Pisac cuja praça principal é um festival de cores, causado pela grande quantidade de artigos de artesanato oriundos de diversas partes da serra andina.
A Cidade Perdida dos Incas – Machu Picchu
Machu Picchu permaneceu encoberta pela vasta vegetação da selva amazônica. Os camponeses locais tinham acesso ao local que os espanhóis nunca conseguiram profanar nem encontrar. Somente em 1911, o pesquisador americano Hiram Bingham foi levado por camponeses ao majestoso e enigmático local, trazendo à luz essa maravilha da construída pelos Incas.
Machu Picchu (que em quechua significa Pico Velho) está a 2400m de altitude e é o ponto alto da religiosidade andina, onde, até hoje, diversas pessoas do mundo buscam equilíbrio, energia e espiritualidade. O local leva esse nome devido à denominação do pico de onde se originaram as pedras que construíram a cidade sagrada. A cidade sagrada é rodeada por 4 picos principais: Wayna Picchu (aquele pico tradicional que aparece nas fotos do local, observatório astronômico e onde se localiza o templo da lua), o Putukusi (uma montanha cujo espírito é feminino), o Wilcanota e, por fim, o Machu Picchu.
De Cusco, pode-se chegar à Machu Picchu por trem até o distrito de Águas Calientes e de lá de ônibus até a base da montanha. Dali, segue-se a pé rumo à entrada da cidade perdida. O percurso de Cusco até Machu Picchu, incluindo trem e ônibus, dura, em média, 5 horas de viagem. Vimos aventureiros portando bastões para apoio na caminhada, com mochilas nas costas, liderados por guias locais bem treinados para enfrentarem os desafios do percurso até o pico. Preferimos o conforto do trem, que oferece um lanchinho a bordo e nos permitiu apreciar as montanhas escarpadas e fazer amizade com outros passageiros.
O frenesi de turistas e a inquietação dos guias tentando organizar seus grupos para a subida final eram intensos. Caminhamos por 20 minutos até nossos olhos tocarem o que tanto esperávamos - as ruínas de Machu Picchu e sua esplendorosa vista panorâmica. Um guia falando em dois idiomas (espanhol e inglês) explicou que Machu Picchu foi um centro religioso em meio à selva amazônica onde supostamente moravam xamãs, sacerdotes e adivinhos. Segundo ele, os ossos encontrados permitiram constatar que grande parte da população era formada por mulheres.
A cidade sagrada era dividida em 3 setores: o Bairro Sagrado, onde se encontra a pedra sagrada, que era utilizada para "baixar o sol", a Intihuatana, além da casa das três janelas e o templo do Sol; o Bairro dos Sacerdotes, onde se encontravam as habitações; e o Bairro Popular, onde os populares e camponeses habitavam. Há também um cemitério, próximo ao pico de Machu Picchu, onde haviam as casas funerárias e uma pedra onde se preparavam os mortos para a outra vida. São abundantes também as "pacchas", fontes de água interligadas que percorrem toda a cidade. A arquitetura daquele povo era invejável e assombra até mesmo os engenheiros da era moderna. Os terraços onde plantavam e colhiam o milho, a quinua e batatas, são verdadeiras obras de agronomia. Tudo feito em curvas de nível para evitar a erosão com o impacto das chuvas. As construções foram feitas com capacidade de suportar terremotos.
Entrar em Machu Picchu é como entrar em uma outra dimensão e compartilhar dos segredos que aquelas pedras mantêm ocultos até os dias de hoje. É como deixar-se levar pelo vôo do condor.
Machu Picchu é a mais velha conhecida ruína inca porém pouco se sabe de sua história. Nada é mencionado nas crônicas dos conquistadores espanhóis. Conta-se que a cidade foi poupada porque não sabiam de sua existência. Por isso, ela durou ainda uns séculos mais.
Os arqueólogos deduziram que o local foi também um grande centro de estudos, onde se ensinava Astronomia, Agronomia, Medicina e Arquitetura. Por isso, é considerada a primeira Universidade das Américas.
Para outros arqueólogos foi, sobretudo, um lugar de culto religioso ao Deus Sol, no culminar de longas romarias pela famosa «trilha inca», uma via empedrada com 33 quilômetros de extensão, por encostas escarpadas onde predomina a vegetação sub-tropical da região.
Os edifícios da cidade, depois de alguns trabalhos de recuperação, apresentam-se em excelente estado de conservação, distribuindo-se de acordo com as funções a que eram destinados ou a classe social dos seus habitantes. O "bairro alto" era ocupado pelas castas religiosas e pelas famílias mais abastadas, enquanto os operários e escravos se alojavam nas pequenas casas situadas mais abaixo, encostadas à falésia.
No meio da praça central (plaza principal), os Incas procediam às suas manifestações religiosas e, no topo de uma elevação vizinha, o templo do Sol e a pedra sagrada "roca sagrada" onde os sacerdotes cumpriam os rituais e os sacrifícios de lamas e outros animais domésticos para satisfação do deus Sol. «Templo de las Trés Ventanas», «Las Puertas», «La Calle de las Fuentes», são alguns dos muitos pontos de interesse, mas o melhor é perder-se no labirinto de ruas e ruelas, vasculhar os becos mais recônditos e imaginar como era a vida quotidiana dos habitantes de Machupicchu.
A cidade ocupa cerca de cinco quilômetros quadrados e, na encosta, os Incas construiram plataformas ou socalcos agrícolas que, ainda hoje, conservam os seus sistemas de irrigação e os celeiros onde eram guardados os produtos das colheitas. Desaparecida a civilização inca, o seu testemunho permanece para sempre gravado naquelas pedras de granito, cuja técnica de corte e encaixe dominaram como ninguém.
Apesar da chuva fina que caiu nos obrigando a usar capas plásticas, quando as brumas se dissiparam e o sol brilhou majestoso, as câmeras zubiram por toda parte. Todos queriam levar para casa a melhor vista, o mínimo detalhe, já que a simples lembrança na memória era insuficiente para conter tanta beleza. As fotos também eram uma forma de compartilhar com aqueles que não tiveram a oportunidade de visitar Machu Picchu, um local deslumbrante, considerado Patrimônio Mundial pela UNESCO desde 7 de julho de 2007 e uma das 7 maravilhas do mundo moderno. Vale a pena ir conhecê-lo.
Titicaca - O Lago navegável mais alto do mundo
De Cusco a Puno pode-se chegar em uma hora de vôo ou seis horas de ônibus. Felizmente, por via terrestre, a viagem pode ser feita com 5 paradas estratégicas em sítios arqueológicos, hotéis e restaurantes aconchegantes, entremeadas pela deslumbrante paisagem andina. As pradarias se sucedem e as montanhas nevadas faz da viagem um deleite para qualquer viajante. A cidade de Puno fica localizada às margens do Lago Titicaca e é a porta de acesso para quem pretende visitá-lo. É conhecida por Capital Folclórica das Américas, com festivais anuais, acontecendo em todas as suas pequenas aldeias.
A primeira impressão que se tem de Puno é de que a cidade foi feita para o tráfego de animais e pequenas carroças. É praticamente impossível duas pessoas andarem de mãos dadas em uma calçada. Os carros roçam perigosamente os transeuntes, que precisam ficar saltando de um lado para o outro para não serem atropelados. Os triciclos cobertos e motorizados são o principal meio de transporte. As ruas do centro da cidade são apertadas, barulhentas e vivem apinhadas de gente jovem sorridente, vendedores de souvenirs e blusas de pura alpaca (falsificadas - é o que afirmam e advertem os guias). Mas, se o turista souber pechinchar, pode fazer aquisições verdadeiras por preços módicos. Os vendedores são sempre muito simpáticos e prontos a dar um desconto, especialmente para brasileiros. No centro da cidade, pode-se caminhar em um calçadão de 500 metros (Calle Deustua que continua depois como Av. Titicaca) até a Calle El Sol. Nessa avenida, pode-se encontrar finos restaurantes, hotéis, lojas de variedades e os principais bancos da cidade.
Os guias locais informaram que Puno foi sede de uma das culturas mais importantes da época pré-inca, a cultura Tiahuanaco, cujos restos arqueológicos, encontrados em seus museus e sítios arqueológicos, causam grande admiração nos visitantes. Segundo a lenda, o primeiro Inca, Manco Cápac e sua esposa Mama Ocllo emergiram do Lago Titicaca por ordem de seu pai, o deus do Sol, para fundar o Império de Tawantisuyo, que se estendia por todo Andes.
Pela manhã cedinho, tomamos um micro-ônibus com destino ao porto lacustre de Puno, às margens do Lago Titicaca, que de lago não tem nada pois parece um oceano de águas transparentes, contendo 1% de sal, o que a torna potável e própria para beber. Provei um pouco da água enquanto lavava as mãos na Ilha de Taquille e posso garantir que não se sente qualquer insalubridade. Parece até um pouco mais pura do que a água mineral San Luis, vendida em qualquer parte do Perú.
O lago Titicaca é alimentado pela água das chuvas e pelo degelo das geleiras que rodeiam o altiplano. É fonte do rio Desaguadero, que corre para o sul através da Bolívia até o Lago Poopó; segundo a lenda, o Lago Titicaca foi o berço da civilização Inca e um passeio pelas suas águas remete o visitante ao tempo em que toda a América Andina era dominada por este magnífico povo. Localizado a 3.811 metros acima do nível do mar, na fronteira entre o Peru e a Bolívia, é o lago navegável mais alto do mundo, segundo maior lago da América do Sul (o primeiro é o Maracaibo) e abriga 41 ilhas naturais e 25 flutuantes (artificiais).
O lago tem 175 km de comprimento e 50 km de largura, com uma profundidade máxima de 300 metros, com águas que variam entre os tons de azul e verde. A fauna encontrada no lago é muito rica, apresentando grande variedade de peixes e aves. Das 41 ilhas do Titicaca, somente algumas são densamente povoadas. Do lado peruano, as principais são a Ilha de Taquile e Ilha de Amantani. A principal atração da região é a ilha flutuante de Uros, ocupada por descendentes dos Uros, uma das mais antigas civilizações da América. Além da sua representação econômica e de suas funções simbólicas, visitá-lo será sempre uma experiência única entre o céu e água azul e verde, sol e terra, numa altitude de 3800 metros.
A primeira parada do nosso barco foi em uma ilha flutuante para que pudéssemos ver como vivem as pequenas comunidades, formadas por 8 a 10 membros, que incluem chefe (pai) mãe, avós, irmãos e filhos e vermos uma demonstração de como eles constroem suas plataformas flutuante utilizando um junco chamado de “dotora” o qual cortam e empilham até formar plataformas com dois a três metros de espessura. Sobre esta superfície, que pode variar de 20 a 50 metros quadrados, eles trabalham, pescam, caçam aves, criam seus filhos e partilham os mesmos valores de partilha e entreajuda; todos produzem para si mesmos e para vender aos visitantes diversos produtos artesanais como brincos, colares, barquinhos, bonecas, vestimentas, etc. O guia, um rapaz sizudo, falando sempre em dois idiomas, explicou em detalhes, traduzindo as palavras do jovem chefe da ilha. Contou-nos que os nativos (Uros) construíram aquelas ilhas para escapar aos primórdios da civilização Inca. O chefe tribal explicou que uma ilha, mesmo com “boa manutenção”, não durará mais do que “oito anos”. Findo esse prazo, é abandonada e uma outra é construída em seu lugar.
O estatuto e estado civil de cada membro são identificados por pormenores da sua indumentária – uma cinta com poucos bordados e símbolos são de jovens solteiros. As cintas com muitos desenhos são usadas por homens casados. Entre eles, existe a obrigatoriedade de, antes do casamento, o casal viver juntos por um período de dois anos para avaliação mútua, embora com a proibição de terem filhos. Por precaução, porque o divórcio é um conceito que não existe na comunidade. Na maioria das ilhas flutuantes e em Taquile, a partir do momento em que um casal decide viver juntos e efetive a cerimônia de casamento, o mesmo torna-se irreversível. Infelizmente, não tive oportunidade de perguntar ao guia (que não gostava de responder perguntas) sobre a existência de homossexualidade ou de como era tratada a questão da infidelidade conjugal. Ficará para uma outra viagem ou com a troca de emails que pretendo manter com um dos simpáticos guias daquela região. O detalhe curioso daquelas rústicas ilhas flutuantes era a existência de placas solares, usadas para gerar eletricidade e assim permitir o recarregamento de celulares e rádios portáteis. Não aceitam a televisão ou a internet na ilha.
Depois das inúmeras fotos dos barcos movidos a remos feitos com juncos a até pagarmos 10 soles para uma pequena viagem a uma outra ilha flutuante, seguimos para Taquile, viajando por mais de duas horas pelo imenso lago, avistando diversas ilhas e os contornos das montanhas do lado Boliviano.
Por volta da uma da tarde, desembarcamos em Taquille, uma das principais ilhas, e, após uma caminhada de 30 minutos montanha acima, fomos recebidos por crianças nativas vestidas com suas roupas típicas. Os pequeninos disputavam as moedas dos turistas em troca de uma foto. Não importava se lhe déssemos um sol (modea local) ou dez centavos. Ao receberem a recompensa, corriam depressa para posar ao lado de outro turista encantado com os ninõs taquileños.
Depois de uma exibição de danças típicas com a participação de alguns turistas convidados, o almoço foi servido sob uma tenda improvisada, com uma visão magnífica do lago lá embaixo, refletindo a brancura das nuvens e um céu de puro anil. Peixe para uns e omelete para outros, regados a Inka Cola, uma bebida típica do Perú. A comida era simples, mas estava apetitosa.
O guia informou que os homens de Taquille são mestres na tecelagem. Homens tecem peças de lã, incessantemente, enquanto conversam, descansam, caminham pelas ruas da aldeia principal da ilha. As mulheres cuidam da comida e dos filhos e bordam as cintas que os maridos ou noivos usam atados à cintura. Todos os membros da comunidade envergam no dia-a-dia, elegantemente, as vestes que eles próprios produzem. Os homens, de calças preta, camisas brancas e gorros vermelhos com bordados coloridos também diferenciados de acordo com o estado civil do usuário. As mulheres, mais vistosas ainda. É uma comunidade andina semi-primitiva, com o requinte de europeus modernos dos cantões da Alemanha ou Suíça.
Para todos os lados que se olhe do alto da Ilha de Taquille só se pode encontrar beleza. Parece que a civilização não conseguiu destruir a paz e tranquilidade daqueles moradores, que ainda conservam suas tradições, língua e costumes.
Chegou a hora de partir. Tínhamos que regressar a Puno antes das 3 da tarde, pois os ventos sopram mais forte sobre a superfície do Lago Titicaca depois deste horário, o que poria em risco a segurança das pequenas embarcações. Podia ver nos olhos e semblantes da maioria dos turistas vindos de todas as partes do mundo (Austrália, Canadá, México, Argentina, Chile, Brasil, etc.), que havia uma certa nostalgia, uma vontade secreta de ficar por ali, pelo menos por mais um tempo... experienciar mais a calma e paz das Ilhas flotantes, do povo de pele morena e cabelos negros, que veriam uma lua brilhante iluminar o céu sob suas casas renovando-lhes as esperanças de dias iguais. Os civilizados... nós, que voltássemos para nossas vidas atribuladas, esperando dias melhores. Na retina e nos corações levaríamos lembranças de lugares inesquecíveis que nem mesmo em sonhos poderíamos crer que existissem.
Hasta LuegoMachu Picchu! Hasta Luego Vale Sagrado dos Incas! Hasta Luego Lago Titicaca... por certo, estes não são lugares que se visita apenas uma vez.
(*) Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor - já visitou países nos 5 continentes e afirma que Machu Picchu é um dos destinos mais impressionantes para quem gosta de aventuras.